Começa chover, o pasto fica mais verde e em boas condições para alimentar o gado leiteiro. Mais bem alimentados, os animais produzem mais e aumenta a oferta de leite. O período de safra iniciado nos últimos meses do ano, no entanto, tem como reflexo a queda dos preços, que deve reduzir os ganhos do pecuarista. Diante de um ano atípico, com alta no preço dos insumos para ração, justificado pela quebra das safras de milho e soja nos Estados Unidos, e certa estabilidade do preço pago pelo litro do leite, o temor é que o período que se inicia agora impacte negativamente a atividade em 2013.
De acordo com o pesquisa do Índice de Captação de Leite (Icap-Leite/Cepea), em outubro o preço do leite subiu 1,3% na média nacional em relação ao mês anterior, ficando em R$ 0,8097 o litro. Em Minas, o aumento foi de 0,3%, com média de R$ 0,8233 o litro. Segundo a Scot Consultoria, empresa especializada no agronegócio brasileiro, o produtor mineiro recebeu em média R$ 0,84 pelo litro do leite entregue em outubro, alta de 1,4% na comparação com setembro, mas a expectativa para janeiro é de que os preços caiam cerca de 6% frente ao preço atual.
Produtor em Betim, o médico-veterinário e vice-presidente da Cooperativa Agropecuária de Betim, Alexandre Dornelas Rezende, produz 300 litros de leite por dia e revela que este foi um ano difícil para quem está no campo por conta do aumento dos insumos. Ele avalia ainda que esse fator externo somado à chegada da safra pode impactar os produtores, além do próprio mercado. “Vamos ter os reflexos dessa alta no ano que vem porque muitos produtores diminuem a ração e com isso comprometem a reprodução das vacas e a produção do leite”, afirma Alexandre.
NA EXPECTATIVA Pecuarista em Esmeraldas, Sérgio Sales, que produz cerca de 1,5 mil litros de leite por dia, compartilha da preocupação de Alexandre Rezende. Embora ele tenha uma produção mais intensificada com o uso basicamente de ração e a chegada das chuvas não impacte tanto em seus resultados, ele afirma que 2012 foi um ano de custos maiores que a receita. “Em fevereiro paguei R$ 690 pela tonelada de soja e em julho R$ 1,6 mil”, reclama. “Hoje, 60% dos nossos custos ficam com os insumos e a mão de obra, mas esperamos que haja uma regularização dessa margem no ano que vem”, completa.
Para que o mercado ganhe força, o presidente das comissões de pecuária de leite da Federação da Agricultura e Pecuária do Estado de Minas Gerais (Faemg) e da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), Rodrigo Alvim, afirma que é preciso considerar a recuperação de um déficit crescente na balança comercial, que ocorre desde 2009.
A importação, principalmente de produtos lácteos argentinos e uruguaios, é uma das pedras no caminho que dificulta a situação do setor. Segundo o presidente do Sindicato da Indústria de Laticínios do Estado de Minas Gerais (Silemg), Guilherme Olinto Resende, a entrada de produtos como leite em pó e muçarela corresponde a 5% do total consumido no país. “Esse é um fator que puxa o setor para trás porque há uma dependência grande e os produtos chegam aqui com preço menor”, avalia. Mesmo diante de gargalos como o da importação, o sindicato estima que a produção do leite cresça em torno de 2% este ano. Enquanto em 2011 a produção foi de 8,2 bilhões de litros, 2012 deverá fechar em 8,4 bilhões de litros. “Nossa expectativa é caminharmos para crescer acima do PIB nacional”, afirma o presidente.
“Em 2008, exportamos muito e ficamos com superávit de quase US$ 156 milhões, mas depois disso, com a queda de preço no mercado internacional, somada à política cambial brasileira, as importações voltaram a crescer”, explica. Segundo Alvim, Argentina e Uruguai despontam como os principais vilões do mercado nacional. “O Brasil, embora seja favorável ao livre comércio, ainda precisa corrigir as assimetrias entre os países. No caso do leite é preciso fazer acordos, fazer cotas de produção e organizar”, avalia.
Outro fator que pesa para o crescimento do setor, segundo Alvim, são os altos custos de produção. “Este ano, principalmente, tivemos alta nos preços das commodities e queda no valor pago aos produtores e a conta não fecha. Fora isso ainda temos o encarecimento da mão de obra, com os aumentos reais no salário”, afirma. Para ele, a alta generalizada dos custos, as importações e o não crescimento das exportações sinalizam um setor em dificuldade. “Para que a cadeia leiteira supere uma fase mais difícil é preciso ter criatividade para minimizar os efeitos do custo sobre o negócio e esse é um grande desafio”, finaliza.
Dá para crescer mais
Considerado um país lácteo, o Brasil está entre os principais produtores do mundo. Embora apareça consolidado e ocupe a sexta posição mundial em produção de leite, o país tem potencial para crescer mais. Segundo especialistas, o foco voltado para o aumento do consumo pode ser o principal aliado do setor. Hoje, o país produz 32 bilhões de litros por ano, mas desse total consome cerca de 11,2 bilhões. De acordo com o vice-presidente de Estratégia de Negócios da Tetra Pak, Eduardo Eisler, na evolução do consumo per capita, o brasileiro tem aumentado a compra da bebida e a expectativa é de que a curva continue em alta. “Em 2002 o consumo per capita era de 125 litros/ano e em 2011 de 163 litros/ano. Acreditamos que podemos incrementar o consumo doméstico”, afirma.
Embora o mercado ainda enfrente alguns gargalos, Eduardo Eisler avalia que a evolução do setor está atrelada à profissionalização da própria cadeia. “Estamos lidando com um consumidor cada vez mais exigente, que tem informação mais rápida, e a indústria tem que acompanhar”, diz.
Além de representar prejuízo aos pequenos produtores, a inconstância do mercado do leite e a oscilação na entrega da matéria-prima se transformam em custo adicional para a indústria, por gerar um período de ociosidade na fábrica durante a entressafra e excesso na safra. Mas a Itambé, responsável pela transformação diária de 3,1 milhões de litros de leite, revela que vive um momento de controle sobre a oferta justificado pela especialização da produção.
Segundo o assessor de Relações Institucionais da cooperativa, Ricardo Cotta Ferreira, com os grandes produtores substituindo o pasto pela ração, a indústria não consegue pagar menos pelo leite. “Vivemos numa pressão de margem e temos dificuldade para repassar esse aumento para o varejo”, lembra. De acordo com Ferreira, a depreciação da participação da indústria na decomposição dos preços demonstra a dificuldade encontrada para negociar com os supermercados, por exemplo. Antes, a indústria participava com 35%, o produtor com 40% e o varejo com 25%. Nos últimos dois anos, houve uma inversão com 40% para o produtor, 25% para a indústria e 30% para o varejo. (CM)