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Nutrição e saúde uterina no pós-parto e a fertilidade

Estudos epidemiológicos demonstraram claramente que há uma forte relação entre as doenças no pós-parto e o desempenho reprodutivo subsequente dos bovinos leiteiros. As vacas diagnosticadas com hipocalcemia clínica tinham 3,2 vezes mais probabilidade de retenção de placenta (RP) do que as vacas que não tinham hipocalcemia clínica (Curtis et al., 1983). Whiteford e Sheldon (2005) também verificaram que a hipocalcemia estava associada à ocorrência de doença uterina em vacas leiteiras em lactação. Markusfeld (1985) relatou que 80% das vacas com cetonúria desenvolveram metrite.

Um importante fator de risco para a doença uterina é a RP. Em geral, vacas com RP têm risco maior de desenvolver metrite quando comparadas com as vacas que não têm RP. Tanto a metrite como a RP duplicam os risco das vacas de permanecer com inflamação uterina no momento da primeira inseminação após o parto (Rutigliano et al., 2008). Nos Estados Unidos, um recente estudo do USDA (NAHMS, 1996) indicou que a incidência de RP em vacas leiteiras foi de 7,8 ± 0,2%. Um estudo de 2006 realizado em 5 granjas leiteiras em Israel observou que a RP foi diagnosticada em 13,1% (9,4 a 18,1%) e 9,2% (3,6 a 13,8%) das vacas multíparas e primíparas, respectivamente (Goshen e Shpiegel, 2006). No mesmo estudo, a metrite afetou 18,6% (15,2 a 23,5%) e 30% (19,4 a 42,3%) das vacas multíparas e primíparas, respectivamente.

Tanto a RP como a metrite podem ter efeitos devastadores sobre a eficiência reprodutiva em vacas leiteiras em lactação, com redução das taxas de concepção e prolongamento dos intervalos até a prenhez (Goshen e Shpiegel, 2006). Na verdade, a doença clínica não apenas afeta negativamente a fertilidade de vacas leiteiras. A endometrite, uma doença caracterizada por aumento na proporção de neutrófilos na citologia uterina sem a presença de sinais clínicos de inflamação do útero, tem importantes efeitos deletérios sobre as taxas de concepção de vacas leiteiras em lactação na primeira inseminação no pós-parto.

Dados sugerem que o consumo de ração e o comportamento no arraçoamento em torno do momento do parto poderiam mediar do risco de doenças uterinas em bovinos leiteiros (Hammon et al., 2006; Huzzey et al., 2007; Urton et al., 2005). Hammon et al. (2006) observaram que as vacas que desenvolvem doença uterina no pós-parto apresentaram redução na IMS cerca de uma semana antes da parição. Da mesma forma, as vacas diagnosticadas com metrite grave depois da parição já estavam consumindo menos matéria seca 2 semanas antes da parição (Huzzey et al., 2007). No mesmo estudo, mesmo as vacas que desenvolveram uma metrite branda estavam com IMS reduzida uma semana antes do parto quando comparadas com as vacas com útero saudável.

O mesmo grupo (Urton et al., 2005) observou que as vacas que desenvolviam metrite passavam depois menos tempo comendo antes e depois do parto do que as vacas que não desenvolveram metrite. Estes dados indicam que a supressão da ingestão de nutrientes ou alterações no comportamento alimentar antes do parto são importantes fatores de risco para o desenvolvimento de metrite pós-parto.

O status imune da vaca pode ser uma ligação potencial entre a ingestão de nutrientes e o desenvolvimento de doenças uterinas. Kimura et al. (2002) avaliaram a função neutrofílica em 142 vacas leiteiras no periparto, pertencentes a dois rebanhos, avaliando a atividade quimiotáxica e de destruição destas células. Os autores observaram que 14,1% das vacas desenvolveram RP. Os neutrófilos isolados das vacas com RP tinham redução na capacidade de migrar para o tecido placentário e menor atividade mieloperoxidase, um marcador para a explosão oxidativa e atividade de destruição dos neutrófilos.

É interessante que a redução da função dos neutrófilos foi observada entre 1 e 2 semanas antes da parição, sugerindo que a redução da função imunológica inata pode ser parte da causa da RP mais do que uma consequência da doença. Na verdade, as vacas que desenvolveram uma doença uterina, metrite clínica ou endometrite subclínica, apresentaram redução da IMS e da função neutrofílica antes da parição (Hammon et al., 2006). Estes dados sugerem de forma enfática que a ingestão inadequada de nutrientes antes da parição poderia predispor as vacas a um comprometimento da função imunológica e, subsequentemente, a um maior risco de doenças uterinas que afetam negativamente a reprodução.

Como a ingestão de nutrientes parece influenciar o status energético e a função imunológica das vacas leiteiras, e ambos parecem estar relacionados com o risco de doenças uterinas, é prudente sugerir que as estratégias nutricionais e de manejo que otimizam a ingestão de nutrientes no período em torno do parto devem melhorar a saúde uterina e subsequente fertilidade de vacas leiteiras. Igualmente importante, ou talvez até mais importante do que a composição da dieta é o ambiente a que a vaca está sujeita no período do periparto. Conforto inadequado, concorrência pelo espaço e status hierárquico podem influenciar a capacidade da vaca de consumir nutrientes, o que pode posteriormente predispô-la à doença uterina (Hammon et al., 2006; Huzzey et al., 2007; Urton et al., 2005).

Reprodução

Durante o período pós-parto imediato, o sistema imune da vaca é desafiado de forma severa (Goff, 2006), e os sistemas de defesa inato e humoral estão reduzidos. A incidência de doenças e transtornos pode ser alta durante este período de tempo e ter impacto negativo sobre o desempenho reprodutivo. A chance de prenhez, por exemplo, foi reduzido se as vacas tinham RP ou perdido uma unidade do ECC (Goshen e Shpigel, 2006; Santos et al., 2008). A redução na imunidade adaptativa e inata na parição aumenta o risco de transtornos como RP, metrite e mastite.

Há muito tempo o selênio vem sendo associado à imunidade. Em alguns estudos, os bovinos suplementados com Se de levedura tiveram aumento de 18% de Se no plasma em relação ao uso de selenito de sódio (Weiss, 2003). Algumas regiões dos Estados Unidos são deficientes em Se, particularmente a região sudeste, enquanto que outros estados, como a Califórnia, apresentam em sua maioria níveis adequados de Se.

Um experimento foi conduzido para avaliar uma fonte suplementar de selênio orgânico sobre as respostas reprodutivas e imunes de vacas leiteiras na Flórida e na Califórnia CA (Silvestre et al., 2006a,b; Rutigliano et al., 2008). Os objetivos eram avaliar os efeitos de Se orgânico sobre a saúde e o desempenho reprodutivo de vacas leiteiras. A partir de 25 dias antes do parto, as vacas receberam uma fonte de Se: Se orgânico (Se de levedura [SY; Sel-Plex®, Alltech) ou Se sódico inorgânico (selenito de sódio, SS). O nível das fontes de Se foi de 0,2 ppm (com base na MS) e foram administradas até o dia 80 após o parto.

Nos dois locais, as vacas seguiram o mesmo protocolo de estudo e a saúde dos animais foi monitorada diariamente durante todo o estudo. A temperatura retal foi registrada todas as manhãs 10 dias após o parto. Na Flórida, a avaliação vaginoscópica do trato reprodutivo foi realizada nos dias 5 e 10 após o parto. As vacas foram avaliadas quanto à incidência de RP, metrite, metrite puerperal, endometrite subclínica por citologia uterina, cetose, deslocamento de abomaso e mastite. A ovulação foi sincronizada para a primeira IA após o parto.

As concentrações plasmáticas de Se aumentaram com os dias após o parto, mas a fonte de Se não influenciou as concentrações de Se das vacas na Califórnia. Na Flórida, entretanto, o uso de SY melhorou as concentrações plasmáticas de Se (0,087 x 0,069 ± 0,004 ?g/ml; P < 0,01). Não houve diferenças na incidência de doenças no pós-parto entre os grupos, mas as vacas que receberam SY tiveram incidência menor de corrimento vaginal purulento do que as que receberam SS na Flórida. A dieta alterou a frequência de vacas multíparas detectadas com > 1 evento de febre (temperatura retal > 39,5 ºC; SY, 13,3% [25/188] x SS, 25,5% [46/181]; P < 0,05).

O efeito de SY não foi observado em vacas primíparas, que tiveram uma frequência muito maior de febre (40,5%). Os escores de corrimento foram determinados pela vaginoscopia nos dias 5 e 10 após o parto foram melhores para o grupo SY: 47,1 (217/460) x 35,0% (153/437) de aspecto claro, 43,4 [200/460] x 47,8% [209/437]) de aspecto mucopurulento, e 9,3 (43/460) x 17,1% (75/437) de aspecto purulento para os grupos SY e SS, respectivamente (P < 0,05). O uso de Se orgânico (SY) melhorou a saúde uterina e a RP ao segundo serviço durante o verão.

A dieta não alterou as taxas de prenhez depois do primeiro serviço na Califórnia e na Flórida, e a taxa de prenhez ao segundo serviço na Flórida foi maior para as vacas que receberam SY do que as que receberam SS [SY, 17% (34/199) x SS 11,3% (24/211); P < 0,05]. O benefício de SY sobre a taxa de prenhez ao segundo serviço é surpreendente. Foi levantada a hipótese de que as vacas do grupo SY foram capazes de restabelecer um ambiente favorável ao desenvolvimento embrionário no segundo serviço.

Na Califórnia, as medidas das respostas imunes, inata e humoral, não foram alteradas pela fonte de Se, mas as vacas que receberam SY na Flórida tiveram melhor função neutrofílica e títulos séricos melhores contra ovalbumina. Os achados indicaram que o uso de SY melhorou as medidas de imunidade humoral e celular, saúde uterina e taxa de prenhez ao segundo serviço nas vacas na Flórida, que é conhecido como sendo um estado com deficiência de Se. Na Califórnia, entretanto, a fonte de Se não teve impacto sobre a saúde, as medidas de resposta imune ou desempenho reprodutivo.

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