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Melhoramento genético: a nova arma no controle de doenças

Ao mesmo tempo em que os melhoristas evoluíam os animais na busca por maior produtividade, os especialistas em saúde animal buscavam formas de melhor controlar as enfermidades.

A disseminação das doenças tem sido reduzida através da erradicação de rebanhos infectados, isolamento de animais enfermos, quarentena de animais, aplicação dos princípios de higiene e vacinações. Novas formulações terapêuticas e novas estratégias de controle e profilaxia são continuamente desenvolvidas.

Apesar destas práticas terem sido bem-sucedidas na redução de perdas, as doenças continuam sendo um fator limitante à expansão da produção animal, sobretudo a de raças especializadas, criadas em ambiente tropical. Além disso, estes processos de controle requerem consumo intenso de compostos químicos, para eliminar ou destruir os patógenos que acometem os animais.

O uso regular destes compostos reduzem a seleção natural e estimulam os agentes patogênicos a diversificar em formas resistentes, reduzindo a eficiência dos compostos químicos e dificultando o controle.

Em adição, os resíduos de alguns dos compostos eliminados com as excreções animais têm sérios efeitos no ambiente, efeitos estes só aparente após o uso considerável.

Em algumas situações, os resíduos ou os agentes patogênicos resistentes aos compostos químicos têm chances de entrar na cadeia alimentar humana, podendo determinar problemas de saúde pública.

Os processos de controle de doenças desenvolvidos até o momento põem muito pouca ênfase nos aspectos genéticos que possam estar envolvidos na manutenção da saúde do animal.

É do conhecimento de especialistas em melhoramento e saúde animal, assim como de produtores, que existe uma variabilidade genética em relação a resistência a doenças. Alguns animais dentro de uma raça ou animais de algumas raças são mais resistentes que outros.

Contudo, este aspecto não é ainda considerado nas práticas de controle e tratamento de doenças desenvolvidos até o momento e nos programas de seleção e cruzamentos de animais. Estes fatores não foram ainda considerados, pela inexistência de um método de diagnóstico que possa identificar animais geneticamente capazes de resistir a um determinado agente de doença. Com a ausência de um método com esta capacidade, a resistência só pode ser identificada na presença da doença, impondo um risco econômico para os sistemas de produção, o que dificultou o desenvolvimento de animais produtivos e resistentes até o momento.

Os avanços nas técnicas que têm permitido o mapeamento do genoma humano e o conhecimento da associação genética da resistência e susceptibilidade a doenças nos seres humanos, tem impulsionado atividades de pesquisa semelhante nos animais de importância econômica e de companhia.

Mapas genômicos das espécies animais estão em andamento em vários laboratórios ao redor do mundo. O conhecimento do genoma dos animais e dos genes que conferem resistência, permitirão aos geneticistas selecionar animais com base na resistência sem que o animal necessite ser submetido ao agente causador.

A seleção desses animais e a sua possível priorização para uso nos sistemas de produção irão modificar as práticas de controle e profilaxia de doenças, já que os rebanhos serão constituídos por animais resistentes ou com elevado grau de resistência.

Em adição, esta seleção que conferirá resistência aos animais, ira contribuir para o bem estar e para a expressão do potencial produtivo do animal.

Várias são as doenças cujos controle e profilaxia podem se beneficiar da identificação e seleção de animais resistentes.

Dentre elas a verminose gastrintestinal dos ruminantes tem recebido a atenção de alguns grupos de pesquisa. A razão é que as práticas de controle dessa parasitose são altamente dependentes do uso de anti-helmínticos, tanto nas medidas curativas como nas preventivas.

O uso de animais resistentes é uma estratégia potencial valiosa para redução do uso intensificado desses compostos, já que animais resistentes irão requerer tratamento a uma freqüência menor que os animais susceptíveis. Para alcançar este objetivo, os pesquisadores buscam associar as observações da ocorrência da verminose nos rebanhos com o seu genoma na busca por genes que possam ser utilizados em testes efetivos na identificação de animais susceptíveis e resistentes.

Com o uso destes testes diagnósticos, os animais resistentes e que possuam as características de produção desejáveis para os sistemas de produção, serão então selecionados para o cruzamento e ampliação do rebanho.

Os nematódeos gastrintestinais são os principais causadores da verminose gastrintestinal. Estudos em busca de mecanismos que possam identificar precocemente animais resistentes a esses parasitos foram iniciados no Serviço de Pesquisa Agrícola do Departamento de Agricultura dos Estados Unidos, nos meados dos anos 80.

Primeiramente foi cientificamente demonstrado existir um componente genético associado a esta parasitose. Em seguida, iniciou-se a produção de animais com diferentes graus de resistência para testes visando à compreensão dos mecanismos associados a resistência. Até o momento 288 animais foram produzidos e testados com este propósito.

A capacidade de cada um desses animais em adoecer na presença dessa parasitose (susceptíveis), resistir a infecção (resistentes) ou adoecer e se recuperar foi determinada.

Atualmente estudos estão em andamento visando identificar os genes que conferem esta resistência e a sua localização no genoma dos bovinos, assim como marcadores gênicos que possam ser utilizados em testes diagnósticos rápidos e econômicos, com o propósito de tornar possível a seleção para esta característica.

Estes testes terão uma grande utilidade nos programas de melhoramento já que eles permitirão a identificação e seleção de animais resistentes e produtivos para compor os rebanhos.

No Brasil estudos com a mesma finalidade estão em andamento na Embrapa Gado de Leite em associação com a Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia, Embrapa Pecuária Sudeste, ESALQ, UFMG e IZ. O alvo do estudo é identificar marcas no genoma de vacas e touros mestiços resultantes do cruzamento de Gir com Holandês. A população de animais a ser estudada encontra-se em fase de formação.

Para agilizar a produção dos animais, está sendo utilizada a transferência de embriões. Ainda este ano nascerão 60 novos animais para teste. Até o ano 2002 todos os animais necessários ao estudo serão produzidos e a maioria deles submetidos aos experimentos que irão caracterizar a resistência ao parasitismo por carrapatos, tristeza parasitária e verminose gastrintestinal.

Em pequenos ruminantes, várias observações visando à caracterização da resistência de caprinos e ovinos foram conduzidas no Brasil, tanto nas unidades da Embrapa como em universidades e institutos de pesquisa estaduais. Esses estudos confirmam haver variabilidade genética entre diferentes raças e entre animais de uma mesma raça.

Em ovinos as raças Santa Inês e Crioula foram consideradas as mais tolerantes a verminose nos estudos da Embrapa Caprinos e Embrapa Pecuária do Sul. Em caprinos, os estudos da Embrapa estão direcionados às raças Anglo-Nubiana, Saanen e Moxotó. O alvo é encontrar animais resistentes e neles buscar marcadores associados no genoma para uso nos programas de melhoramento.

As verminoses e as doenças que acometem os ruminantes não são os únicos alvos para o melhoramento assistido pelos marcadores gênicos. Nos meados dos anos 90, o Serviço de Pesquisa Agrícola Americano demonstrou que em uma localização específica do cromossomo 23 de vacas holandesas encontram-se as informações gênicas vitais para a resistência à mastite.

O desenvolvimento de métodos que possam incorporar esta informação aos programas de melhoramento genético, terá impactos consideráveis nos sistemas de produção de leite, já que a mastite ocasiona perdas de cerca de 2 bilhões de dólares ao ano, somente ao rebanho dos Estados Unidos.

Em suínos, esforços estão em andamento, para busca de marcadores associados à resistência à toxoplasmose; uma doença de importância para a saúde pública, diarréias e edemas pós-desmame, entre outras.

Em aves, os alvos principais têm sido a doença de Mareck e a coccidiose.

Além das atividades em andamento nas unidades da Embrapa e em algumas universidades e institutos de pesquisa, a Embrapa, por intermédio do Laboratório Virtual da Embrapa no Exterior (LABEX), trabalha em sintonia com os pesquisadores do Serviço de Pesquisa Agrícola dos Estados Unidos.

O objetivo é a busca por mecanismos que possam fortalecer a cooperação e complementaridade entre os programas de pesquisa das duas instituições. Este esforço irá cortar etapas e adiantar o processo de identificação de marcas gênicas, associadas com resistência em nossas raças e animais e contribuir para análise de uma diversidade de animais, com diferentes graus de resistência e experiência no manejo das doenças em ambiente temperado e tropical.

Esse trabalho conjunto resultará na redução do tempo necessário para que os testes que identificam animais resistentes sejam disponíveis aos sistemas de produção americanos e brasileiros.

Esta possibilidade é de grande impacto para os sistemas de produção de animais criados a pasto, já que eles poderão ser produzidos sem o uso intensivo de compostos químicos, e contribuirá para a segurança alimentar dos derivados animais consumidos nos dois países.

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