Do descrédito que contaminou os pecuaristas no Brasil ao cenário recente de uma economia pressionada pela produção sustentável no campo e a necessidade de alta produtividade, as leguminosas forrageiras ganham nova chance de se firmarem nas áreas de pastagem. Os pesquisadores da unidade Gado de Corte da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), em Campo Grande (MS), trabalham no desenvolvimento de uma cultivar com lançamento previsto para 2013, e a Empresa de Pesquisa Agropecuária de Minas Gerais (Epamig) começou a implantar uma unidade experimental na fazenda de Felixlândia, na Região Central de Minas, para estudar o impacto do uso da variedade estilosantes-campo-grande, a mais difundida no país, na produção leiteira.
O novo Código Florestal passou a ser visto por alguns especialistas como outro estímulo às forrageiras, ao limitar a abertura de fronteiras agrícolas, o que vai exigir o esforço de retirada da maior eficiência possível dos terrenos existentes, boa parte deles degradada. As leguminosas estão longe de mostrar no Brasil a representatividade registrada na literatura especializada: são cerca de 10 mil espécies conhecidas de gramíneas, ante 11 mil das leguminosas, que no país podem ser contadas nos dedos das mãos, lembra o professor Odilon Gomes Pereira, titular do Departamento de Zootecnia da Universidade Federal de Viçosa (UFV).
DESPROPORÇÃO
“Quando tentamos fazer o exercício de levar essa proporção de ocorrências para as fazendas, notadamente no Brasil, o universo das leguminosas é pequeno e está muito aquém do capim”, afirma. Os motivos não são estranhos aos pesquisadores, refletindo problemas de manejo do pasto que levam ao insucesso da introdução dessas plantas na dieta animal, passando pela falta de informação sobre o potencial de uso delas à pesquisa escassa. “Há necessidade, inclusive, do desenvolvimento de variedades adaptadas a cada condição de solo e clima, diante da diversidade que o Brasil apresenta”, observa Celso Fernandes Dornelas, pesquisador da Embrapa Gado de Corte.
As gramíneas ocupam 120 milhões de hectares (ha) de pastagens cultivadas no Brasil, com predomínio da brachiaria, lado a lado dos 80 milhões de ha de pastagens nativas. Principal leguminosa usada na pecuária, a estilosantes-campo-grande se estende por não mais de 5 milhões de ha, em consórcio com gramíneas. “O manejo do pasto consorciado é totalmente diferente daquele da pastagem solteira. Talvez seja esse o ponto essencial que explica quem teve êxito”, diz Celso Dornelas. A despeito das vantagens reconhecidas das leguminosas para a alimentação do gado, em especial o alto poder nutritivo e a farta quantidade de proteínas, se não houver equilíbrio na manutenção e uso do pasto perdas podem ser inevitáveis.
Benefício essencial, a capacidade das leguminosas de fixar o nitrogênio no solo, por meio da simbiose com as bactérias do gênero Rhizobium, a chamada fixação biológica em contraposição à utilização dos adubos químicos nitrogenados, dá a essas plantas a característica de solução ambientalmente correta e alternativa de recuperação de pastagens degradadas. Há estimativas de que as leguminosas possam fixar até 180 quilos por hectare de nitrogênio ao ano. O cardápio, no entanto, pode falhar se o pecuarista não aprender e acompanhar o manejo adequado, preocupação que cresce entre os pesquisadores e profissionais da assistência técnica e extensão rural.
DURO APRENDIZADO
Criador de gado nelore há 24 anos, José Eustáquio Almeida Murta não tem dúvida do valor do manejo correto da pastagem, depois de perder oito animais numa primeira experiência mal-sucedida de introdução do estilosantes-campo-grande na alimentação do rebanho. Ele plantou a leguminosa em 2007 e a viu predominar sobre o capim dois anos e meio mais tarde. Foi quando morreu o primeiro de oito bois, animais saudáveis e quase prontos para o abate.
“Em momento algum fui orientado que teria de desenvolver o plantio consorciado, mas não me arrependo. Com o manejo adequado, o ganho de tempo na engorda é significativo”, diz o criador. Celso Dornelas, da Embrapa Gado de Corte, explica que casos como esse são resultado do desequilíbrio na proporção recomendada de 20% a 40% da leguminosa no consórcio. Acima disso, a ingestão da leguminosa pode levar à obstrução gastrointestinal e ser fatal para os animais que a ingerem em excesso.
Escassez de semente e custo alto espantam
Os desafios que o pecuarista enfrenta para ter sucesso no uso das leguminosas no sistema de produção vão além do manejo do pasto consorciado ou solteiro no Brasil, embora esse seja o alvo principal. O histórico de pouca disponibilidade de sementes e custo alto no país contribuiu para afastar os produtores e as dificuldades na obtenção delas desanimou os fabricantes, na avaliação do pesquisador Domingos Sávio Queiroz, da unidade da Epamig na Zona da Mata mineira. O segmento passa, agora, por uma reviravolta, tendo em vista a necessidade das fazendas de intensificar a utilização das pastagens, processo considerado irreversível na agropecuária brasileira, segundo o pesquisador.
“A expansão de culturas como cana-de-açúcar, milho, soja e eucalipto é quase toda feita em área de pastagens. Isso significa que essa área está diminuindo enquanto o rebanho bovino cresce, equação que exige aumento da produtividade”, diz Domingos Queiroz. É para esse aumento que as leguminosas podem contribuir. Na Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural de Minas Gerais (Emater-MG), o coordenador estadual de bovinocultura, José Alberto de Ávila Pires, destaca que depois da etapa de correção do solo, o nitrogênio é um dos principais componentes de nutrição das plantas e a produção do capim tem relação direta com a fixação de nitrogênio no solo ou a adubação nitrogenada.
O processo biológico, obtido a partir da ação das leguminosas, segue o conceito da agricultura de baixo carbono (ABC), fator da produção ambientalmente sustentável, ao mesmo tempo em que se reverte em redução dos custos na comparação com o sistema de aplicação dos nutrientes químicos. “Precisamos divulgar o uso das leguminosas e orientar os pecuaristas, inclusive porque não podemos desconsiderar que o grande problema da pecuária é a degradação de pastagens”, afirma.
NOVIDADES A ênfase dos pesquisadores nesses desafios cresceu depois dos lançamentos mais recente de leguminosas desenvolvidas pela Embrapa, a guandu BRS mandarim, e a estiliosantes-campo-grande. Independentemente da espécie escolhida, o primeiro passo é o aprendizado do preparo da dieta correta dos animais, alerta Danilo de Paula Moreira, técnico do setor de gestão de transferência de tecnologia da Embrapa Pecuária Sudeste.
Lançada em 2009, a variedade guandu mandarim apresenta produtividade de forragem (parte verde da planta) 10% superior à variedade de guandu mais usada no Brasil. A uniformidade das sementes, capazes de produzir plantas padronizadas, representa outro ganho, de acordo com Danilo Moreira. “A mandarim tem boa persistência, o que permite uma vida útil de quatro anos, quando bem manejada, ao passo que a produção das variedades já existentes chega apenas ao segundo ano”, afirma.
A aplicação da leguminosa, resistente à macrophomina – fungo que ataca e mata as raízes –, resultou na diminuição de 21% do custo de alimentação em experimentos feitos com novilhas leiteiras e de 8% por quilo dos animais na despesa relativa ao ganho de peso. Os produtores precisam saber e ficar atentos, entretanto, ao fato de a variedade não tolerar encharcamento e necessitar de alta luminosidade durante a formação das vagens. (MV)