Agronegócio

Gestão da cadeia de suprimentos

Imagine o caso ilustrativo!

Sr. Roberto e dona Aparecida, um casal de horticultores, compram fertilizantes, sementes e todos os outros insumos que precisam apenas uma vez por mês. Preparam diariamente insumos, ferramentas, bandejas de mudas e sementes e vão para os canteiros.

Afofam o solo e plantam a cota do dia. Irrigam todos os canteiros duas vezes por dia, vistoriam um a um e trabalham numa rotina planejada e rígida. Todos os dias de sol a sol e preocupações com os afazeres. Pela tarde as duas filhas voltam da escola e ajudam os pais.

À noite, depois do jantar, o casal senta e refaz os cálculos das despesas realizadas e as ainda por vir. Imaginam, entusiasmados, que a próxima semana renderá um bom dinheiro. Afinal, a produtividade está excelente, as plantas estão maravilhosas. Tudo foi feito corretamente e o clima ajudou.

Chega quinta-feira, final da tarde, é dia de entrega. O casal colhe alguns canteiros da produção e encaixota tudo de maneira ordenada. Preparam a caminhonete e levam para a cidade onde entregam a produção para um pequeno varejista local.

Pelo acordo, os produtores se responsabilizam pelo que não vendeu. Se não vender, o produtor não recebe. Não é risco do dono da quitanda. Mas isso não preocupa o casal. O produto deles é muito bom, a qualidade da horta é exemplar; por isso nunca tiveram problemas. Nesta semana, então, a produção brilha de tão bem cuidada.

Nos últimos anos esse pequeno varejista perdeu muita clientela para os supermercados. Ainda vai à feira aos domingos mesmo sabendo que ano a ano sua renda na feira diminui. Mesmo assim ele não se intimidou. Anos atrás, quando percebeu que a situação iria piorar, pensou rápido e fez um acordo com o maior supermercado da região, que atende quatro municípios.

A proposta é boa para ambos. O pequeno varejista conhece a região e os produtores. Consegue selecionar os melhores deles e, com isso, os melhores produtos para enviar às lojas no dia combinado, sempre um dia antes do maior movimento. Assim o quitandeiro pequeno varejista também trabalha como atacadista prestando serviços ao grande varejista.

O dono da quitanda seleciona os melhores produtos que recebe de diversos produtores e prepara para mandar ao supermercado. Entre as hortaliças selecionadas, está a exemplar produção do Sr. Roberto e de Dona Aparecida, além da produção de outros caprichosos produtores.

"Estes agricultores produzem sempre a quantidade que precisamos e com a mesma qualidade", elogia o quitandeiro.

Os piores produtos que chegam das roças ficam na própria quitanda, ou vão para a feira.

Nesta semana, especificamente, o "fretista" que faz a entrega nos supermercados teve problemas com seu caminhão. Recomendou um amigo que pontualmente foi até o estabelecimento do pequeno varejista e carregou a carga. Pegou corretamente as instruções e partiu para a entrega.

No domingo antes da missa, como todas as semanas, o Sr. Roberto e dona Aparecida passam na quitanda para receber o pagamento da produção, o relatório das vendas e encontrar com outros agricultores que seguem a mesma rotina. É um evento social.

No entanto, desta vez, uma surpresa!!! O pequeno varejista, que é sempre animado e entusiasmado, está desesperado.

"Não há pagamento. O fretista saiu daqui no horário combinado, mas não apareceu nas lojas. Atrasou a entrega em mais de doze horas. Depois eu fui saber que ele teve problemas pessoais e achou que o atraso não seria problema" – relata o pequeno varejista a seus fiéis fornecedores.

A história não pára por aí. O supermercado ficou sem os produtos que seus clientes habituais compram rotineiramente no dia de maior movimentação. Com isso, a clientela vai às compras em outros estabelecimentos. Perdem-se vendas, perde-se credibilidade e pode-se perder clientes se a credibilidade não for das melhores. E a maneira mais eficiente de perder credibilidade é errando constantemente.

O supermercado, para se defender e não errar mais, busca novas alternativas, novos fornecedores confiáveis e pode, ou não, cortar o pequeno varejista de seu quadro de fornecedores. Isso dependerá também da credibilidade do mesmo.

Observe o balanço da história:

– A produção suada dos horticultores, se for vendida, será a preços baixos, bem aquém do valor merecido. É provável que percam tudo.

– O pequeno varejista também terá prejuízo, tanto pelo valor do frete como pela perda da venda. A partir de então, mesmo se não for cortado, trabalhará com menor escala, pois o supermercado passará a comprar de outros fornecedores para garantir sempre a oferta a seus clientes.

– Se existirem outros fornecedores do supermercado, o espaço e as quantidades demandadas de hortaliças também se reduzirão. Perde o pequeno varejista, que aí trabalha como atacadista, e perde também os produtores. Evidentemente, pois eles vão concorrer por uma menor quantidade de venda. Pela lei da oferta e da procura, os preços devem cair.

– O supermercado, apesar do problema que teve em um dos dias, se fortalece, pois a partir de um problema que teve que resolver, passará agora a contar com um maior número de fornecedores, portanto, maior garantia de fornecimento, maior possibilidade de exigir qualidade e maior facilidade para pressionar preços.

Essa pequena ilustração apenas representa o processo que tem fortalecido o varejista nos últimos anos e alterado toda a estrutura de competição e funcionamento das cadeias produtivas em todos os setores.

A essa prática dos supermercados, em gerir fornecedores e garantir o fornecimento de produtos a seus clientes, é o que se denomina Supply Chain Management (SCM) ou Gestão da Cadeia de Suprimentos.

Em todas as grandes empresas ou indústrias existem gerentes ou diretores de supply chain. O termo inglês foi disseminado e é o mais usado atualmente. Na prática o gerente supply chain é responsável por todos os insumos, serviços e fornecedores da empresa. Atualmente é uma das mais importantes disciplinas na administração das empresas.

Voltando ao exemplo, veja que para atender as prateleiras de hortaliças daquela pequena rede regional de supermercados, além do comerciante (o quitandeiro), fretista e dos diversos produtores envolvidos e ilustrados no exemplo, existe também as revendas de insumos agrícolas e combustíveis. Qualquer alteração na demanda, positiva ou negativamente, afetará a todos.

2. Importância da cadeia de suprimentos

Com a competitividade aumentando nos últimos anos, a importância deste conceito ganhou força no gerenciamento. É fruto do reflexo da revolução da informação que o mundo vive atualmente.

A gestão da cadeia de suprimentos, ou da cadeia de fornecedores, é altamente relacionada com o marketing e com a gestão dos custos. Pelos conceitos de marketing, grosso modo, as empresas devem estar aptas a atender a necessidade do cliente, da maneira mais rápida e eficaz possível.

A empresa precisa padronizar a qualidade dos produtos, garantir sua segurança, mostrar alta agilidade no fornecimento e no atendimento, enfim, tem que atender prontamente, caso contrário, o cliente irá atrás de quem o faça.

Ao mesmo tempo, a competitividade e o excesso de empresas no ambiente global obrigam os gestores a reduzir os custos. Além de atender bem e garantir a qualidade, os preços têm que ser acessíveis. Observe que uma das formas de reduzir custos é não manter estoques. Evitar estoques e manter agilidade na entrega parece ser antagônico. Mas é aí que está o grande desafio da gestão da cadeia de suprimentos. Ser ágil a custos baixos.

Um bom exemplo desta metodologia de gestão da cadeia de suprimentos foi explorado pelo jornalista Thomas L. Friedman em seu livro "O Mundo é Plano". Dentre vários exemplos, ele utiliza o Wal-Mart, a maior rede de supermercados do mundo. É um exemplo feliz quando se trata da agropecuária no Brasil. Todos sabem os problemas que a ação das redes de supermercados, com suas margens elevadas, têm causado às indústrias e aos produtores.

Enfim, o nível de conhecimento do Wal-Mart é tanto que conseguem antecipar todas as tendências de consumo, preparando suas prateleiras para atender movimentos de demanda.

Quando há previsão de furacões, por exemplo, a empresa sabe que as pessoas compram mais biscoitos (que são fáceis de armazenar e não são perecíveis) e que procuram mais brinquedos que não requerem eletricidade e podem substituir a televisão. Sabem também que, na eminência do furacão, o consumo de cerveja tende a aumentar.

Portanto, assim que seus meteorologistas avisam a sede de que há uma catástrofe ameaçando a Flórida, nos Estados Unidos, a cadeia de fornecimento se reconfigura automaticamente para aquela situação – primeiro, mais cerveja; depois, mais biscoito.

E como funciona? O sistema de informação pede automaticamente para que todos os fornecedores aumentem a produção e envie às lojas do Wal-Mart. Quando houver o aumento da demanda, os pontos de venda estarão aptos a atender.

E não precisa ser uma reconfiguração da demanda para que a cadeia de suprimentos seja administrada detalhadamente. Cada venda, cada código de barra que é passado pelos milhares de caixas do Wal-Mart, em cada unidade distribuída em todo o mundo, é automaticamente enviado a um programa de gerenciamento de informações que aciona a cadeia de fornecedores da empresa.

Veja o relato pelas próprias palavras do jornalista Thomas Friedman: "Quando ocorre uma venda o sinal vai piscar na tela do computador do fornecedor, dizendo-lhe que fabrique outro item daqueles e o envie pela cadeia de fornecimento, reiniciando todo o processo outra vez. Assim, basta o cliente tirar o produto da prateleira de uma loja do Wal-Mart e passá-lo pelo caixa para outro braço mecânico começar a fabricar seu substituto em algum lugar do mundo. É uma verdadeira Sinfonia do Wal-Mart em vários movimentos – só que sem um finale. Vai se repetindo, repetindo, repetindo, 24 horas por dia, sete dias por semana, 365 dias por ano: entrega, seleção, embalagem, distribuição, compra, fabricação, novo pedido, entrega, seleção, embalagem…".

Essa capacidade do Wal-Mart de conduzir tal sinfonia em escala global faz da empresa um gigante do varejo, eficiente e extremamente exigente com seus fornecedores e ágil no atendimento a seus clientes. Nesse sistema, em 2004 o Wal-Mart transportava 2,3 bilhões de caixas por ano com as mais variadas mercadorias pela cadeia de fornecimento até as suas lojas.

São 6,3 milhões de caixas por dias, todas controladas uma a uma em nível de detalhamento que vai do consumidor até os fornecedores dos fornecedores.

Aliás, por aí se percebe que o fornecedor do Wal-Mart tem que ser extremamente eficiente nesta gestão, pois caso contrário não será competitivo para fornecer ao Wal-Mart. Os custos ficam proibitivos.

Se uma destas caixas contiver um computador da Dell, por exemplo, é possível que essa rede de fornecimento tenha sido organizada pela Dell em mais de dez países, distribuídos em quatro continentes. E o processo, do pedido até a entrega, deve ocorrer em menos de 10 dias.

Esse é o reflexo mais claro da globalização e da maneira que impacta o mundo de hoje. Em que país será produzido o componente? Em que empresa? Em que região? Como será transportado? A resposta a estas perguntas é simples. Será produzido e transportado por quem estiver mais competitivo naquele momento. Simples assim. Terrível assim também.

É por isso que, para atender a crescente pressão do consumidor, iniciou-se um processo mundial no varejo que chegou às indústrias e lentamente será repassado aos fornecedores das indústrias. No caso do agronegócio, estes fornecedores são os produtores rurais. Por isso que tanto se fala em rastreamento, qualidade total, pontos críticos de controle, rotulagem e todas as exigências que ainda hoje muitos relutam em aceitar como tendência inexorável.

É por isso também que gradualmente vão desaparecendo os pequenos varejistas nos grandes centros, vão se reduzindo os preços reais das commodities e vão aumentando as exigências ao setor produtivo: o mundo está ficando pequeno, tem gente querendo vender o que sua empresa vende em cada canto deste mundo pequeno. E pior, todos os dias aparecem inovações fantásticas.

3. Foco na gestão e nos controles

A logística é a área da administração que cuida do transporte e armazenamento das mercadorias.

É o conjunto de planejamento, operação e controle do fluxo de materiais, mercadorias, serviços e informações da empresa, integrando e racionalizando as funções sistêmicas desde a produção até a entrega.

Quando for eficiente nesta gestão, assegura vantagens competitivas na cadeia de abastecimento e no sucesso da empresa.

Segundo definição, a logística é regida pelos fatores de direcionamento para níveis maiores de complexidade operacional, como, por exemplo, histórico de demanda dos produtos ou serviços, histórico da freqüência dos pedidos, histórico da quantidade por pedido, custos envolvidos na operação, tempo de entrega, pedido mínimo, rupturas de abastecimento, prazos de entrega, períodos promocionais e freqüência de sazonalidades, políticas de estoque (evitando faltas ou excessos), planejamento da produção, políticas de fretes, políticas de gestão dos pedidos, análise dos modelos de canais de distribuição, entre outros.

Em linhas gerais, pode-se dizer que a logística está presente em todas as atividades de uma companhia.

Na produção agropecuária, a logística se relaciona com toda necessidade de estabelecimento de um sistema de informação e gestão dos custos de produção. É uma boa logística interna na empresa rural que possibilitará o gerenciamento dos estoques e dos processos de produção.

Fora da empresa, os fatores logísticos se relacionarão com os preços de mercado, tanto dos insumos como dos produtos vendidos pelos produtores.

Maurício Palma Nogueira é engenheiro agrônomo, diretor da Bigma Consultoria

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