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Febre do leite: um problema recorrente

A hipocalcemia é um distúrbio metabólico no qual o mecanismo de regulação dos níveis de cálcio no sangue é perturbado pelo aumento súbito e acelerado da mobilização desse elemento no início do período de produção de colostro e leite. É uma doença comum em vacas leiteiras de alta produção, aparecendo, em geral, a partir da segunda lactação e entre 24 e 48 horas após o parto. O quadro clínico do problema é bastante evidente: há um excitamento nervoso, com tremores de cabeça e tetania ou contração muscular, notadamente das grandes massas musculares, além de protusão ou exposição da língua. As vacas ficam tristes, com sintomas de apatia e abertura dos membros posteriores, e ataxia ou falta de coordenação dos movimentos, dando ao animal um aspecto de cavalete, seguido de prostração ao cair ao chão.

No Brasil, a hipocalcemia, também conhecida como febre do leite, paresia pós-parto, paresia obstétrica, febre vitular, eclâmpsia, paresia puerperal, apoplexia da parturiente, coma pós-parto ou colapso puerperal é uma doença pouco estudada, apesar da tendência de aumento substancial da sua presença em sistemas mais tecnificados de produção. Embora tenha denominações ligadas à febre, a maioria do quadro é de hipotermia. Estudos mais recentes, em regiões com rebanhos especializados, têm mostrado uma incidência da hipocalcemia em torno de 4,2%. Para alguns autores, nas últimas duas semanas pré-parto e até o terceiro dia pós-parto as vacas leiteiras apresentam certa dificuldade de manter a normocalcemia. Mesmo vacas hígidas apresentam uma pequena hipocalcemia temporária, que se inicia na última semana pré-parto e se estende até o quarto ou quinto dia pós-parto. Alguns fatores favorecem o aparecimento da hipocalcemia:

1 – Raça – as vacas Jersey são mais sujeitas à doença por apresentar proporcionalmente maior produção de colostro.

2 – Alimentação – as vacas superalimentadas no período seco apresentam maior depressão do apetite no período pós-parto, diminuindo a quantidade global de cálcio dietético disponível. Por outro lado, as alimentações ricas em gorduras não complexadas com cálcio e zinco podem diminuir a disponibilidade do cálcio dietético, predispondo o aparecimento da enfermidade ou a ingestão exclusiva de dietas ricas em oxalatos.

3 – Idade – as vacas velhas apresentam, progressivamente, menor capacidade de reabsorção óssea e de absorção intestinal de cálcio, além de apresentar apetite mais deprimido.

4 – Ordenhas de colostro – exigem das fêmeas 2,5 vezes mais cálcio do que a ordenha do leite comum, ultrapassando a capacidade da absorção intestinal desse elemento. Assim, de acordo com a intensidade das ordenhas, haverá estímulo para a fêmea produzir mais colostro, produto rico em todos os elementos da secreção mamária.

5 – Uso de medicamentos – principalmente os antibióticos que contêm aminoglicosídeos (deidro-estreptomicina, gentamicina, neomicina, entre outros), por via parenteral, diminuem a disponibilidade de cálcio livre no organismo da vaca por até seis horas por se ligarem temporariamente a esse elemento mineral ionizável existente no sangue.

6 – Presença do potássio – solos muito ricos em potássio podem levar ao acúmulo de substâncias denominadas oxalatos por parte dos capins, os quais, sendo completamente transformados no rúmen, tendem a diminuir a disponibilidade dietética de cálcio para os animais.

Como a principal razão da hipocalcemia é o baixo teor de cálcio no sangue, é necessário acompanhar como esse elemento atua no organismo da vaca, a sua absorção, e assim determinar o manejo alimentar a ser empregado. A prevenção específica da hipocalcemia deve ser iniciada exatamente 30 dias antes do parto, pela incorporação de uma dieta aniônica, objetivando prover um excesso de ânion (cloro e enxofre) em relação aos cátions (sódio e potássio). Assim, a chamada diferença cátion-ânion dietética (DCAD) será negativa. O ideal é que esse balanço negativo esteja entre -30 a -100mEq/kg de matéria seca. O oferecimento de uma dieta aniônica com valores superiores a -200mEq/kg de matéria seca é contraindicado, pois diminui a produção da futura lactação, reduz a ingestão de alimentos e predispõe o animal à síndrome do fígado gorduroso.

Com o consumo da dieta aniônica (DCAD negativa) haverá melhora da disponibilidade de cálcio, favorecendo a reabsorção óssea desse elemento. Com isso, espera-se a diminuição da hipocalcemia, aumento da produção de leite e melhor desempenho reprodutivo. A DCAD negativa é também importante quando a baixa energia leva a uma severa perda de peso do animal. Estudos mais recentes têm demonstrado que vacas secas devem receber dietas aniônicas, enquanto vacas em lactação devem ser alimentadas com dietas catiônicas.

Tendo em vista as dificuldades para se formular uma ração com níveis baixos de cálcio – menos de 0,5% da matéria seca – e como no efeito das dietas aniônicas a prevenção da hipocalcemia é mais eficiente em combinações com altos níveis de cálcio dietético, recomenda-se uma dieta com aproximadamente 150g de cálcio por vaca ao dia no período final de gestação.

O monitoramento da ação de uma dieta aniônica pode ser feito por meio do pH da urina, o qual deve ficar entre 6 e 7,3. Para se utilizar esse método, deve-se suprimir no pré-parto o bicarbonato de cálcio e o carbonato de cálcio da alimentação, pois diminuem a ação das dietas aniônicas e aumentam o pH sanguíneo. Deve-se ressaltar que a dieta aniônica está restrita ao período pré-parto especificado. Já no início do pós-parto, a dieta volta a ser catiônica (aproximadamente 225mEq/kg de matéria seca) ou a ingestão de alimentos e produção láctea serão afetados. As dietas também devem ter até 60g de fósforo por vaca ao dia.

Como tratamento da vaca afetada recomenda-se a administração de até um litro de cálcio por via endovenosa, e parte dessa quantidade deve ser administrada por via subcutânea. Esse tratamento pode ser repetido em função da persistência de alguns sintomas.

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