Agronegócio

Entrevista: Roberto Rodrigues – Com um chapéu pensador

Pensar o agronegócio. Esse é o objetivo do ex-ministro da Agricultura, engenheiro-agrônomo e agricultor Roberto Rodrigues, que acaba de assumir a presidência da Academia Nacional da Agricultura. Para ele, é preciso “criar um chapéu pensador” para a atividade. Dessa forma, será possível oferecer à iniciativa privada, ao governo federal e ao Legislativo as melhores soluções para os problemas que ainda afligem o campo. Ele acredita que o produtor rural tem feito seu dever de casa, aumentando a produtividade sem a proporcional expansão da área plantada. Mas ainda encontra muitos obstáculos. Os principais deles são relacionados com logística, entraves institucionais, a falta de uma política comercial eficiente e de uma política de renda consistente na agricultura. “Temos que melhorar a competitividade do agronegócio”, destaca. Rodrigues esteve em Belo Horizonte na semana passada para falar sobre o panorama da agropecuária do Brasil para empresários ligados à unidade mineira do World Trade Center (WTC).

O que pretende fazer à frente da Academia Nacional da Agricultura?
Estou assumindo para fazer alguma coisa. Pretendo trabalhar em parceria com instituições mais acadêmicas ligadas ao agronegócio, como a área voltada para o segmento da Fundação Getulio Vargas, a Embrapa, a Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo (Fea/USP), entre outras, para criar um chapéu pensador para o agronegócio. Não vamos fazer diagnósticos. Pretendo reunir esse pessoal com informações acadêmicas consistentes para ajudar o governo a implementar ações, o Legislativo a reformar o que é importante institucionalmente pra gente e dar sinais para o setor privado sobre o que ele quer fazer. Temos que melhorar a competitividade do agronegócio de forma geral.

E como vai colocar a estratégia em prática?
Vou dar como exemplo o Código Florestal. Foi aprovado, mas tem problemas. É possível melhorar? É. Mas temos que sugerir o artigo que precisa ser mudado pela exata razão que ele precisa ser mudado. Temos que apresentar o que queremos ao Congresso Nacional. Vou citar o café em outro exemplo. Vendemos um terço do café verde do mundo para outros países e nem 3% do grão torrado e moído, enquanto Alemanha e Itália vendem 50% do produto dessa forma. O problema aí é de caráter comercial. Não é fazer a indústria torrar e moer. Primeiro, o setor privado tem que fazer acordos e parcerias com representantes lá fora. Tem que ser criado esse link. Depois, temos que sugerir ao Itamaraty que abra negociações dessa natureza. Se coseguirmos fazer uma política comercial correta, vamos ganhar três vezes mais do que ganhamos com a exportação do café verde. E o produtor pode ganhar também por meio das cooperativas.

O que mais pode melhorar?
Outro exemplo prático: a China é grande compradora da soja brasileira. Mas ela quer levar o grão porque quer gerar emprego e renda lá. Como resolver? Com negociação. Primeiro, deve haver um acordo entre os governos brasileiro e chinês. Em um ano, vendemos 100% do grão. No seguinte, vendemos 95% de grão e 5% de farelo. No outro, 90% do grão, 5% do farelo e 5% do frango que foi alimentado com soja. Dessa forma, criaríamos um equilíbrio e todos ganhariam. Mas teria que haver também redução de tributo para o farelo. Pela Lei Kandir, só o grão é isento. Esses temas têm que ser tratados para cada cadeia e em tópicos.

O senhor acredita que a crise internacional afetou o agronegócio?
No ano passado, o saldo comercial (exportações menos as importações) do agronegócio foi de US$ 79 bi. O do Brasil foi de US$ 19 bi. Isso significa que o do agronegócio sustentou o país. Neste ano, até 3 de junho, o saldo do agronegócio estava em US$ 82 bi e o do país em US$ 9 bi. De novo, está segurando a balança comercial do Brasil. Com a valorização do dólar frente ao real, a indústria volta a ter melhores condições para exportações, mas não acredito que mude muito. Para mim, a crise não tem afetado muito o agronegócio porque em 2002 exportamos US$ 25 bi em produtos agropecuários. No ano passado, as exportações foram de US$ 96 bilhões. Enquanto o comércio do mundo esfriou, o agronegócio exportou quase quatro vezes mais em 10 anos. Isso porque os emergentes, menos afetados pela crise, estão participando com mais compras.

A produção dos últimos anos aumentou. Como ficarão os preços?
Deve haver um reequilíbrio entre oferta e demanda. Com os estoques recuperados, deve haver queda nos preços em dólar. Não é aparentemente grave porque tem uma compensação do câmbio, que agora está mais valorizado. Não acho que haja um desastre.

E como anda a produtividade do agricultor brasileiro?
Em 20 anos, a nossa área plantada cresceu 40% e a produção de grãos, 220%. A agricultura respondeu mais depressa à crise que outros setores. Houve um salto de tecnologia. Temos 53 milhões de hectares plantados com grãos e tendo em vista o que estamos colhendo a mais, ainda preservamos 65 milhões de hectares. Fizemos isso e nenhum outro país fez com a mesma intensidade. Acionamos  mercados, estamos mais competitivos, temos tecnologia e gestão. Mas ainda falta muito a ser feito.

Quais são os maiores gargalos a serem enfrentados?
O logístico é o maior deles. Já há um plano criado pela Empresa de Planejamento e Logística (EPL). Mas falta ele ser executado. Esperamos que alguma coisa saia do papel ao longo da próxima década. Falta também política comercial, com acordos bilaterais de comércio. É grave. Hoje, cerca de 40% do comércio mundial se dá assim, com esse tipo de acordo de livre comércio, às margens das regras da Organização Mundial do Comércio (OMC). Temos que começar a fazer, de forma mais agressiva, para abrir mercados. Tem que ter uma política de renda para a agricultura. Tem o seguro rural, mas ainda não é suficiente e consistente. Ainda é escasso o recurso para armazenagem. E falta melhorar o institucional. Na maior parte do mundo há apenas um Ministério da Agricultura, Floresta e Pesca. Aqui, temos quatro ministérios disputando orçamentos, atenção e tudo mais. Tinha que ser um só.

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