Muito ainda se discute sobre a possibilidade da entrada da cana no cenário da produção estadual. Há discussões nos meios rurais sobre os incentivos do governo, a chegada das usinas no estado, e todos os pontos importantes que devem ser levados em conta quanto à aquisição de uma nova área de cultura, ou uma decisão de mudança de cultivo, e todas as conseqüências decorrentes da decisão.
Entre os aspectos positivos, destaco primeiramente o aumento da demanda de álcool anidro (aditivo da gasolina) para o consumo dos veículos bicombustível, que em Janeiro de 2006 representaram 77,88% dos carros novos vendidos, segundo a Federação Nacional da Distribuição de Veículos Automotores (Fenabrave). Outro ponto importante é quanto ao incentivo dado pelo Governo Nacional através do Programa Nacional do Biodiesel, que cria uma nova e forte demanda pelo álcool e pelos subprodutos da cana, que podem ser usados como matéria-prima do combustível alternativo.
O que não podemos deixar de alertar é quanto à degradação da terra de cultivo após a implantação da cana, que necessita de altos investimentos, para que não haja um desgaste e esse comprometa a produtividade. Esta diminuição na qualidade da terra é referente não só à plantação de cana-de-açúcar, mas também de qualquer outra cultura que seja implantada no local.
Mas o objetivo deste artigo é abordar outra ótica da instalação das usinas de álcool no cenário agropecuário do Mato Grosso do Sul. Esta nada tem a ver com as estatísticas de produtividade, escolha de melhores cultivares, ou técnicas de plantio, e seus comentários podem ser extrapolados e aproveitados não só na decisão do plantio da cana, mas para a grande maioria dos produtos de origem agropecuária.
Os produtos oriundos da cana-de-açúcar, o álcool anidro, o álcool hidratado e o açúcar têm dinâmicas de preços e demandas diferentes. Atender estes três principais mercados, sem oscilações significativas, exige muito planejamento e uma gestão profissional. Durante séculos isso foi feito pelo governo, mas num processo que durou toda a década de 90, esta responsabilidade foi repassada integralmente ao setor privado. Hoje prevalece o regime de livre mercado, (quase) sem subsídios, e definem-se os preços de açúcar e álcool de acordo com as variações de oferta e demanda, numa relação direta.
Caso semelhante ocorre no valor do dólar comercial, onde o governo tenta, durante períodos de crise, comprar dólares para segurar o preço da moeda. Um exemplo disto pode ser observado se analisarmos o período de julho de 2002, quando o valor do dólar oscilava entre R$ 3,00 e R$ 4,00 e começou um movimento de desvalorização, e então o governo entrou comprado milhares e milhares de dólares buscando manter o preço naqueles níveis. Até que em junho de 2003 a cotação atingiu o patamar de R$ 2,80, onde permaneceu até maio de 2004, quando a moeda retornou ao nível de R$ 3,20. Neste período tivemos novas compras, onde o país praticamente queimou as reservas nacionais (o dólar é o lastro da economia), já que em maio de 2005 o dólar já atingia os níveis de R$ 2,40. De lá para cá tivemos mais uma queda que chegou até R$ 2,20, e no início de janeiro deste ano, mesmo com novas compras do governo, que insiste em queimar nossas reservas, estamos chegando a R$ 2,15, com previsão de atingir R$ 2,00.
Alguns produtores rurais do país ainda não enxergam a insalubridade do governo ao tentar segurar um movimento natural, que depende única e exclusivamente da oferta e demanda dos produtos (no caso o dólar como contrato de compra e venda). Não existe a percepção de que este não é o caminho, já que estas decisões não trazem resultado algum pra economia, exceto a impressão de que o preço está voltando aos patamares anteriores por uma alta de 0,1% em um determinado dia (conhecido no mercado como correção de preços, outro comportamento vinculado à oferta e demanda do produto). Mais complicada é a posição de algumas das corretoras, que utilizam da informação de que o governo aportou 200 milhões de dólares (lembra do 0,1% naquele determinado dia) para segurar o dólar, e o que muitos não sabem é que isto normalmente indica o começo de uma nova baixa.
Quando se fala no produtor rural, este não enxerga a situação do dólar, até porque este deveria poder confiar nas grandes empresas do setor financeiro nacional. É importante que se saiba também que o mesmo tipo de comportamento acontece com o preço de seu commodity**, seja este a cana, o boi gordo, a soja, o milho, o café, entre inúmeros outros.
Este artigo sugere que de nada adianta ter o melhor manejo, a melhor genética, a melhor produtividade, se o preço de venda do produto não paga os custos de produção. A postura normal do produtor é culpar o governo por não segurar o preço da soja, do milho, do arroz, etc.
A idéia é demonstrar que não é uma opção do governo, possa ele aportar R$ 800 mil, ou R$ 400 milhões na compra de estoques, pois quem define o preço é o mercado, mais especificamente, a oferta e a demanda do produto. A não ser na década de 30, quando o governo getulista tinha reservas o suficiente para estocar, e depois queimar café, esta prática não funciona mais. O mundo hoje é globalizado, e dependemos muito mais da economia externa, da oferta e demanda mundial dos produtos, do que dependíamos na era Vargas.
Ou você nunca se perguntou por que a Petrobrás, perto de produzir tudo o que o país consome de petróleo, sempre vende seus produtos de acordo com o preço do barril de petróleo mundial, mesmo com um custo de produção ínfimo?
No próximo artigo você verá como se proteger nesta nova realidade, através de uma ferramenta que existe há mais de cem anos, os contratos futuros agropecuários.