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Como o boi funciona: Terminação em pasto ou confinamento

Os maiores “vilões” do semi-confinamento tradicional seriam: 1) Pastagem com pouca massa de forragem; 2) Uso em períodos prolongados, que fazem com que da forragem no pasto sobre apenas o talo (pois o animal seleciona as folhas, que têm maior digestibilidade), 3) Animais já gordos, por serem muito ineficientes.

Nos últimos anos, vários pecuristas tem “escapado” do vilão número um acima, a falta de pastagem, oferecendo quantidades realmente elevadas de concentrado, tais como 1,8% do PV (= 8,1 kg/dia para 1 UA) ou mais. Dessa forma, o consumo de pasto pelo animal é minimizado e, teoricamente, resolveria o mínimo de fibra para o funcionamento do rúmen. As formulações contém aditivos e tamponantes e a fonte de energia costuma ser o milho inteiro. Tudo isso para tentar reduzir os riscos de problemas metabólicos. O milho, por ser fornecido inteiro e em grande quantidade, tende a se concentrar no retículo e acaba por estimular um pouco a ruminação.

O fato é que, mesmo com tudo isso, está-se desafiando bastante o sistema de controle de acidez do rúmen e pode-se esperar que alguns animais, pelo menos, apresentem algum grau de problema (acidose, timpanismo, problemas de casco, etc.). Fundamental, também, fazer uma adaptação ao concentrado com um aumento paulatino deste no início do fornecimento.

Seja qual for o método de terminação, a tentativa de reduzir o nível nutricional para manter o peso dos animais e esperar preços de venda melhores, invariavelmente, resulta em perda de peso e aumento de prejuízo. Deve-se sempre procurar dar níveis nutricionais crescentes para os animais, pois eles se ressentem quando passam para um nível inferior.  Além disso, o fato de terem já composição de ganho com bastante gordura, os fazem muito ineficientes. Assim, infelizmente, é impraticável terminar o animal e tentar manter seu peso para especular melhores preços. A melhor opção é tentar concentrar a terminação na época de melhores preços e se satisfazer com a média da época.

A definição do ponte de abate é, portanto, muito importante para o resultado do sistema. O ponto ideal de abate é tema controverso e, do ponto de vista de qualidade do produto, depende da exigência específica de cada mercado. Um bom indicativo desta diferença entre valores da carne em função dos diferentes mercados é o fato do Brasil ser o maior exportador em volume de carne nos últimos anos, mas ter um faturamento significativamente menor do que Austrália que exporta para os mercados asiáticos (> 10 mm até 35 mm!).

Ainda que seja difícil estabelecer um ponto de abate ideal único, há consenso que as carcaças precisam ter, no mínimo, 3 mm de espessura de gordura na altura do contra-filé. Valores inferiores a este indicam carcaças com terminação insuficiente (pouca gordura) que são problemáticas em termos de processamento (maiores detalhes sobre isso serão abordados no último texto desta série) e que costumam resultar em uma carne de pior qualidade.

A diferença de custo entre se produzir carcaças com 3 ou 10 mm de gordura é enorme. Como já discutido no texto anterior, a gordura é “cara” para ser depositada, pois a conversão alimentar reduz-se muito com o seu aumento na proporção do ganho. A definição de que valor daria melhor custo benefício está longe de ser obtida e só terá alguma chance de ser incorporada à prática à medida que valores adicionais recebidos na ponta da cadeia (pagos pelo consumidor final) remunerem também o pecuarista, algo que começa a ocorrer parcialmente com os programas de qualidade de alguns frigoríficos. Apesar disso não ocorrer, descobrir estratégias nutricionais e/ou de usos de grupos genéticos mais eficientes para boa terminação é busca constante da pesquisa pecuária.

Um aspecto interessante da terminação é o fato de ser muito mais fácil terminar (no sentido de “colocar gordura”)  o animal em confinamento do que o animal em pastejo. O motivo disso é que, quanto maior o ganho de peso, maior é a quantidade de gordura depositada no ganho. Assim, em função dos ganhos mais modestos da pastagem em relação ao confinamento, se dois grupos de animais extremamente homogêneos forem separados e colocados metade para terminação em pastagem e a outra metade em um confinamento, este último grupo ficará pronto para abate mais cedo (e tanto mais cedo, quanto mais energética for a dieta de confinamento).

Isto não significa, porém, que a carne de confinamento será melhor do que a produzida em pastagem, mas que é necessário comparar os animais provenientes destes dois sistemas com o mesmo grau de terminação, ou seja, pesos e idades maiores para os animais vindo das pastagens.

Existe, no Brasil, quem defenda que o sabor da carne produzida com concentrado é pior do que aquela do animal produzido em pastagem. Curioso é o fato dos americanos acharem exatamente o contrário, ou seja, que a carne produzida em pastagem tem um sabor diferente e não desejável. A denominação dada por eles é “off flavor”, ou seja “diferente do esperado”. Evidentemente esses resultados têm grande influência dos padrões culturais estabelecidos, ou seja, “boa é a carne do meu país” simplesmente porque tem o gosto que cada um espera que a carne deva ter.

Todavia, pode haver outros fatores mais objetivos que expliquem, como, por exemplo, as maiores concentrações de gorduras poliinsaturadas nas forragens temperadas. Essas gorduras são muito mais facilmente rancificáveis. Nesse caso, o problema com sabor por produção em pastagem temperada seria, na verdade, um problema de conservação. Há, entretanto, muitas outras possibilidades, pois o sabor é determinado por muitas substâncias e fatores (modo de preparo, teor de vitaminas, outros anti-oxidantes na carne, etc.)

Uma vantagem da carne produzida em confinamento é que ela é mais homogênea, isto é, a variação de um lote de bifes produzidos em confinamento quanto à maciez e teor de gordura é menor do que de um lote de bifes provenientes de animais terminados em pastagem.

Isso ocorre, pois a maior velocidade de deposição de gordura ajuda os animais menos propensos a deposição de gordura a se aproximarem daqueles que depositam gordura com mais facilidade. O mercado consumidor atualmente valoriza sobremaneira o atributo de constância de qualidade do produto. A idéia é que, as pessoas querem sempre repetir experiências boas e, portanto, qualquer situação que faça variar a qualidade, atrapalha a realização desse desejo. Com certeza esse fator também pesou no avanço do consumo de carne de frango como alternativa ao consumo de carne, uma vez que a homogeneidade é um ponto forte desta carne alternativa.

A defesa da superioridade de um sistema sobre o outro, no caso de pastagem exclusiva vs. confinamento, é totalmente descabida. Há um excesso de confiança que a terminação em pastagem seja sempre mais economicamente favorável, o que nem sempre é verdade. Além disso, de uma maneira global, o confinamento nunca vai substituir totalmente o uso de pastagem. Enfim, não só há espaço para todos, mas os sistemas beneficiam-se mutuamente um do outro.

Assim, a grande vantagem é usar o confinamento para otimizar o sistema de produção. O confinamento é estratégico, pois permite a redução da lotação das pastagens na entrada da seca, sem necessidade de venda de animais a preços baixos, e viabiliza a antecipação de vendas, aumentado a porporção delas na entressafra

Interessante em toda essa história é que, isoladamente do ponto de vista do produtor, a vantagem seria entregar o animal com o mínimo de gordura, pois, seria mais eficientemente produzido. Para o frigorífico, além do mínimo de gordura, animais mais pesados tem a vantagem de reduzirem o custo fixo de processamento, ou seja, fica mais barato processar uma carcaça de 300 kg do que duas de 150 kg, pois, apesar dos quilogramas de carcaças serem os mesmos, para as duas carcaças o trabalho foi dobrado.

Há, portanto, um dilema do produtor: Visar unicamente a eficiência produtiva ou produzir carcaças bem acabadas? A primeira opção pode ser vantajosa a curto prazo, mas trata-se de um “tiro no pé” a longo prazo, pois significa chegar a um produto final inferior ao consumidor. Com certeza produtores de aves e porcos se beneficiariam desta estratégia unilateral, uma vez que aumentariam as oportunidades de avançarem no fatia de mercado da carne bovina.

Apesar desse dilema, é preciso definir quais seus objetivos, pois não é difícil visualizar que a padronização e qualidade final do produto são um interesse geral da cadeia da carne bovina. Para o pecuarista, pode ajudar na comercialização, pela maior facilidade em vender seu produto à indústria,  o que pode ajudá-lo a alcançar melhores valores médios de venda ao longo do tempo.

 

 

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