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Avaliação nutricional de vacas é muito mais que avaliar dieta

Entrevista do Euler Rabelo para a Revista Mundo do Leite

Médico veterinário formado pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), onde também obteve seu título de mestre, e doutor em produção leiteira pela Universidade de Wisconsin/Madinson, EUA. Euler Rabelo atua como consultor técnico em nutrição e reprodução animal. Faz parte do quadro de profissionais da consultoria Rehagro, voltada ao treinamento e capacitação de pessoas no agronegócio. Em maio, o especialista participou do 4° Workshop Gado de Leite, realizado pela Ourofino Saúde Animal, no Hotel JP, em Ribeirão preto, e falou sobre o uso da composição do leite como uma ferramenta para a avaliação nutricional de vacas de leite em alta produção. Rabelo defende ser a avaliação nutricional muito mais do que a avaliação da dieta. Ela inclui itens como o conforto animal, este, segundo ele, é fundamental para que o animal exerça suas potencialidades produtivas em plenitude.

Mundo Leite – O que é avaliação nutricional?

Avaliação nutricional é muito mais que avaliação da dieta. Isso é um erro básico de muitas pessoas que não entendem como o animal realmente funciona. O mais fácil é fazer dieta. A nutrição deve ser vista, fazendo uma comparação, como a análise da floresta e não só de uma árvore. Não adianta nada eu ter uma dieta espetacular se o ambiente da minha fazenda não propicia que a vaca coma essa dieta. As nossas preocupações devem ser: essa vaca está num ambiente desconfortável? Essa vaca está com stress calórico? Essa vaca está bem no pasto? Está com sede porque não tem água? Essa vaca fica muito tempo em pé porque não tem cama? Cada vez mais, esse vem sendo o desafio diário do ponto de vista da nutrição.

E a dieta, não é um desafio?
O grande desafio não é formular uma dieta boa, mas conseguir o consumo de ingredientes na quantidade e nada hora certa, nem mais, nem menos do que a vaca precisa. Isso está relacionado com o ambiente, ao manejo e aos próprios animais. Às vezes, a vaca está cheia de problemas no periparto, sem muita condição corporal, uma série de problemas no sistema reprodutivo, no sistema mamário. Problemas metabólicos que geram baixo apetite.
Existem outros desafios inseridos nesse aspecto nutricional não é mesmo?
Veja um exemplo: Se a propriedade está cheia de retenção de placenta, a primeira coisa que você pensa é sal mineiral, entre outras coisas. Mas você nem sabe que talvez a coisa que mais afete a retenção de placenta é o conforto do animal nesse período periparto. Não adianta ter o melhor sal mineral se as vacas estão parindo gordas, estão desconfortáveis, não tem sombra. Ou seja, a nutrição precisa ser vista dentro de um conceito mais amplo, mais complicado, mais complexo e muito mais difícil do que simplesmente a formulação. Não estou falando que a formulação não é importante, mas o nosso desafio é muito maior do que esse. Trabalhamos para alimentar bem, fazer com que a ingestão de nutrientes, ou a dieta de precisão seja alcançada.     Entrevista com Euler Rabelo

É preciso observar a gestão também, o senhor não acha?
Nós temos que mudar cada vez mais a gestão. Se não conseguimos quantificar, não conseguimos gerir. Se não conseguirmos colocar em números, não vamos conseguir analisar de maneira eficiente, traçar estratégias. Cada vez mais, medir – quantificar o que está acontecendo na propriedade, levantar como anda a composição do leite, fazer médias, variações de acordo com o agrupamento de vacas, fases de lactação – é uma ferramenta que podemos usar para avaliar como anda o resultado final na propriedade. Eu tenho visto nas fazendas consideradas boas, que as pessoas ficam muito mais preocupadas na rotina do dia a dia do que em ficar levantando números relativos ao dia, semana ou mês. São milhares de números que não são olhados, analisados e levados em consideração na hora da tomada de decisões.
Entrevista com Euler Rabelo     O que é necessário para melhorar a produção de leite?
Para melhorar a produção de leite é necessário forragem de boa qualidade, nada substitui isso! Você pode manter a produção de leite com ajuste da dieta a curto prazo, mas a longo prazo isso pode trazer prejuízo, pois a vaca tende a engordar, produzir menos, a parir mais gorda. E quais são os problemas da vaca parir mais gorda: Essa é uma vaca que demora a emprenhar no sistema de produção. Produção de forragem de qualidade faz o produtor ficar mais esperto e a produção ficar mais lucrativa. É a principal maneira de manter a saúde ruminal, porque vaca não é barato. Milhões de rebanhos produtivos tem 60, 70, 80% da forragem na dieta.

O manejo nutricional é consistente, ela come a mesma coisa todos os dias, a forragem é a mesma no decorrer de todo ano. Esse é um ponto extremamente importante. Cada vez mais, a gente está descobrindo que a vaca não é boba. Cada vez mais, as pesquisas estão provando que, quando a gente não prioriza o conforto animal, a vaca não produz direito. E se ela não come direito, seu metabolismo não funciona direito e ela não reproduz bem. Do ponto de vista reprodutivo, não vai parir. Além disso, os nutrientes que ela come em menos quantidade por se sentir desconfortável geram menor eficiência em relação à vaca que está confortável.

Então qual deve ser a preocupação do produtor?
O produtor deve prestar atenção no conforto animal do seu rebanho. Isso tem um impacto muito grande na secreção e maximização dos nutrientes no leite. Tudo isso está ligado ao consumo de uma dieta balanceada. Porque dieta balanceada é dieta de precisão, ou seja, dieta equilibrada em que o consumo da quantidade de nutrientes é igual ao requerido pela vaca. É preciso conhecer os nutrientes que você está oferecendo para sua vaca. Eu vejo muitas fazendas fazendo isso. Mas, há casos em que o produtor só vai perceber o desequilíbrio da dieta quando a produção de leite cai. Aí, o estrago já está feito. A composição do leite é o menor dos prejuízos. O maior é a saúde da vaca. Se não cuidarmos, a longevidade dessa vaca diminuirá.

Falando ainda em produção, quando o produtor pode ter um leite mais rico em sólidos?
A concentração de gordura e proteína é inversamente proporcional à produção de leite. Ou seja, a concentração é alta após o parto, mas a partir do momento em que a vaca começa a produzir leite, os percentuais de gordura e de proteína caem. É bom prestar atenção no que acontece quando manipulamos a dieta. O que acontece com a produção de leite e a produção de sólidos? Com o aumento de fermentabilidade da dieta, aumenta a proteína e diminui a gordura. A produção de sólidos vai aumentando o concentrado da dieta, a fermentabilidade está produzindo mais proteína. Isso tudo vai afetar a magnitude que essa dieta começa a obter.

Porque ocorre redução na gordura do leite?
A teoria explica que isso está ligado a um item com pouca porcentagem na dieta, que é o lipídio. A depressão da gordura do leite está relacionada ao metabolismo dos lipídeos dentro do rúmen. As fontes de gordura são forragens, grãos, cereais e oleaginosas. As bactérias presentes no rumén são responsáveis pela hidrobiogenação, ou seja, os ácidos graxos são divididos em dois. Assim, a gordura é hidrogenada no rúmen. Se der uma quantidade muito grande de ácidos graxos para a vaca, provavelmente isso vai ter um impacto na fermentação ruminal, deprimindo os padrões de alimentação e o tipo de bactéria que tem ali dentro. Isso está diretamente relacionado à gordura do leite. Um total de 20% do leite é ácido graxo altamente insaturado. O processo da gordura do leite esta relacionado à operação de biohidrogenação. Quando, por, exemplo, o pH está baixo, você modifica a populaçãod e bactérias. Isso faz com que a porcentagem de gordura do leite diminua porque interfere no processo de hidrobiogenação.
Então, resumindo, quais são são fatores relacionados com a depressão da gordura do leite?
Alta proporção de concentrados; taxas de fibras efetivas na dieta; formação do tapete ruminal, promovendo mastigação e salivação da vaca; alimentos ruins sobre rápida degradação no rúmen; fornecimento de mais de três concentrados de uma vez; alta quantidade de gorduras insaturadas; mudanças bruscas na dieta; descontrole do pH, com aumento a susceptibilidade à acidose, reduzindo a hidrogenação e interferindo na gordura do leite.

O número de refeições também está relacionado à queda de gordura no leite. Nutrição é muito mais que formulação da dieta. Até o espaço no cocho interfere na composição do leite. Se a vaca esta confortável, se ela tem uma cama boa, fica mais tempo deitada, se ela está ruminando mais, tem mais refeições no dia, em ambiente de bem estar, tudo isso está relacionado com a secreção mamária.

E a proteína do leite?
A proteína do leite é sintetizada na glândula mamária, a partir de aminoácidos presentes no sangue. O baixo teor de proteína no leite está relacionado à produção insuficiente de proteína microbiana e/ou de aminoácidos essenciais absorvidos no intestino. A produção de proteína microbiana se dá em função da disponibilidade de carboidratos do rúmen. Dessa forma, pode dizer que, à medida que aumenta o teor de concentrados que fermentam no rúmen, aumenta a proteína do leite. Por outro lado, se o aumento for excessivo, levando o animal à acidose, há redução na produção de proteína microbiana com conseqüente redução na proteína do leite.

O que o produtor pode fazer para aumentar o percentual de gordura no leite?
O produtor precisa fornecer quantidades e proporções adequadas e essenciais para os animais, ou seja, os animais não podem comer muito e, ao mesmo tempo, tem que comer bem. É preciso dar alto teor de carboidratos não-fibrosos e dar mais nutrientes para as bactérias, assim elas se reproduzem mais.

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