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Agroenergia: O Negócio do Brasil

Um importante passo no planejamento estratégico de uma empresa global de energia é o desenho de diferentes cenários envolvendo o futuro energético do mundo. Há fortes sinais de que o fim da "Era do petróleo" está por vir e o reflexo disso já pode ser visto nas atuais cotações do barril no mercado internacional, as quais já quebraram todos os recordes históricos. Por outro lado, há uma luz no fim do túnel: a agroenergia. Isso tanto é verdade que as maiores companhias de petróleo no mundo mudaram o foco estratégico de seus negócios, deixando de ser simplesmente empresas de extração e refino do petróleo para se auto-intitular empresas de energia.

Para o desenvolvimento de cenários múltiplos de uma indústria conhecida por seus elevados riscos e projetos de investimento a longo prazo, diferentes tendências econômicas políticas, tecnológicas e demográficas são analisadas.

Os principais fatores "incontroláveis" a serem considerados na análise do setor energético no mundo hoje são:

  • Fatores político-legais: ratificação do Protocolo de Kyoto e sua conseqüência sobre o padrão de consumo energético da população mundial; restrições quanto ao uso da terra (impacto ambiental) e recursos hídricos (cobrança pela água); exigências de monitoramento do lançamento de resíduos, efluentes, tratamento de água, controle para não poluição do lençol freático; metas de redução de emissões e adoção incremental de biocombustíveis impostas pelos países desenvolvidos às suas empresas.
  • Fatores econômicos: preço ascendente do barril de petróleo; aumento da concorrência com outros setores ofertantes e biocombustíveis; crescimento de vendas dos carros flex fuel, aumentando a demanda por álcool; crescimento da produção do biodiesel e adição no diesel de petróleo em diferentes partes do mundo; aberturas de novos mercados referentes a venda de energia com projetos de co-geração de energia com biomassa de cana e eucalipto, energia eólica, queima de biogás em aterros sanitários etc.; adição de álcool na gasolina como antidetonante, substituindo o chumbotetraetila.
  • Fatores socioculturais: crescimento do segmento dos consumidores verdes; biocombustíveis e a afirmação da imagem do combustível limpo; cobrança da responsabilidade social das empresas (projetos sociais beneficentes), preocupação crescente com a saúde humana; busca de melhor qualidade de vida; fuga da dependência do petróleo e uso de combustível alternativo; defesa do produto nacional – o álcool é combustível brasileiro; busca por conveniência e variedade de produtos (consumidor pode escolher).
  • Fatores tecnológicos: crescimento dos carros flex fuel (álcool, gasolina, gás natural); carros híbridos; célula de hidrogênio visto como combustível do futuro; tecnologia de produção de álcool; tecnologia de queima de biomassa (bagaço, eucalipto) e/ou aproveitamento do gás metano; desenvolvimento do biodiesel; diversificação das fontes e produção de energia.

Feito isso, deve-se destacar o crescimento do mercado de biocombustíveis. A Conferência das Nações Unidas para o Comércio e o Desenvolvimento (Unctad) acredita que o aumento do preço e da demanda por petróleo, aliado às mudanças climáticas, aumentarão as pressões para o desenvolvimento e exportação de produtos e serviços de energia renovável. Para se ter idéia, esse setor gerou de US$ 30 a 40 bilhões em 2003, e o comercio internacional desses produtos foi de US$ 4 bilhões.

O Brasil é um dos países de maior capacidade de abocanhar fatias do mercado de energia renovável, ao lado de China, Índia, Malásia e África do Sul. A Agência Internacional de Energia (AIE) aponta o Brasil como um dos países com maior competitividade no mundo na produção de biocombustíveis como etanol e diesel a partir de vegetais, novos produtos dinâmicos do comercio internacional. Ao mesmo tempo, suas projeções são de que os biocombustíveis poderão suprir 30% do combustível usado globalmente pelos meios de transporte até 2020, comparado a apenas 2% atualmente.

Mais quais seriam os impactos econômicos, sociais e ambientais do aumento da produção e do uso de álcool combustível e biodiesel no Brasil? Para ter uma idéia, um pouco mais da metade de toda a cana produzida no Brasil – cerca de 52% de uma produção da ordem de 300 milhões de toneladas por ano – é direcionada para a produção de álcool combustível anidro e hidratado.

De acordo com Tetti (2001), dado a nossa elevada produtividade agrícola, cada tonelada de cana de açúcar direcionada para a produção de álcool combustível gera uma redução liquida de emissões de aproximadamente 0,17 tonelada de CO2 / ano. Então, com um consumo anual na faixa de 30 bilhões de litros de álcool, o Brasil reduz mais de 30 % das emissões causadoras de efeito estufa gerada pela frota nacional de veículos.

No caso do acordo Brasil-Alemanha, que prevê investimentos de US$ 100 milhões na produção de 100 mil novos carros a álcool, seria mandado um volume adicional de 500 milhões de litros de álcool hidratado. Esta produção adicional e seu consumo, que substitui o uso de derivados do petróleo, resultaria em um ganho de redução de emissões da ordem de 3,5 milhões de toneladas por ano de gás carbônico, a serem entregues anualmente, no prazo de 10 anos. Muitos benefícios indiretos também podem ser obtidos, como a criação de 20.000 novos empregos diretos e 60 mil novos empregos indiretos, a ampliação da área cultivada de cana em 80 mil hectares, o aumento da circulação econômica na faixa de US$ 150 milhões / ano e o aumento da arrecadação de impostos da ordem de US$ 84 milhões / ano (Tetti, 2001).

Ao mesmo tempo, as emissões evitadas com o uso do bagaço da cana na co-geração de energia, evitando a expansão do uso dos combustíveis fosseis, apresentam resultados também de grandes dimensões. Novamente, de acordo com Tetti (2001), o setor canavieiro tem condições de expandir sua capacidade instalada em 3.000 MW até 2005 (ou 13.500 GWh). Essa oferta adicional de eletricidade evitaria o consumo e as emissões equivalentes a 2,9 bilhões m3 / ano de gás natural ou 3,5 milhões de toneladas equivalentes de petróleo (ou 20,4 milhões de barris/dia). Considerando que a capacidade de co-geração de energia com o bagaço pode chegar a um montante da ordem de 6.000 MW, deixaríamos de emitir para a atmosfera uma quantidade de GEE equivalente à queima de 41 milhões de barris de petróleo, caso fosse feito o uso do gás natural.

Por outro lado, estudos preliminares acreditam que o efeito multiplicador do biodiesel parece ser um pouco maior. Segundo o Ministério de Minas e Energia, cada 1 tonelada de biodiesel utilizada evita a produção de 2,5 de CO2. Para atender a exigência legal de adição de 2% de biodiesel no diesel de petróleo, serão necessários quase 200 mil novos empregos diretos e indiretos, enquanto que para atender a uma exigência de mistura de 5% após 2012, o numero de potenciais empregos gerados subiria para 484 mil.

Com o produto, o Brasil pretende abocanhar fatias do mercado norte-americano e de alguns países europeus. Uma lei ambiental regulamentada na União Européia estabelece que 20% dos veículos do continente serão obrigados a usar combustíveis renováveis até 2010. embora fabricante de biodiesel, o continente não possui espaço para cultivo e nem disponibilidade industrial para produzir o volume necessário – cerca de um bilhão de litros por ano.

Entretanto, já podemos identificar alguns gargalos na cadeia produtiva do Biodiesel. Com produção anual de 20 milhões de litros de biodiesel por ano, o Brasil precisa ampliar rapidamente a capacidade instalada se quiser garantir vida longa ao combustível no mercado. Já se especula que ao menos US$ 40 milhões são estritamente necessários. Mas, de olho nas possibilidades comerciais, empresários estariam dispostos a empregar US$ 100 milhões a curto prazo em tecnologias de fabricação do produto e plantio de oleaginosas.

Contudo, há um guarda-chuva que guia e apóia financeiramente todas as iniciativas na área de energia renovável hoje. Esse guarda-chuva é o tão comentado Mercado de Créditos de Carbono, mais conhecido como Mercado do Carbono. Esse mercado surgiu após a ratificação do Protocolo de Kyoto por 141 países em fevereiro de 2005, sendo que os países industrializados se comprometeram a reduzir em media 5,2% suas emissões de gases do efeito estufa abaixo do nível de 1990, no período de 2008 a 2012. Como o custo de redução é altíssimo para as nações altamente dependente dos derivados do petróleo, foi aberta uma alternativa viável que é o investimento em projetos de energia renovável e reflorestamento nos países em desenvolvimento.

Como pudemos verificar, as iniciativas de uso do álcool combustível, de aproveitamento do bagaço da cana e de uso do biodiesel colaboram com a redução de emissões de Gases de Efeito Estufa (GEE) e geram créditos de carbono. O potencial do mercado do carbono é crescente. Em 2003, a compra de créditos alcançou US$ 330 milhões, subindo para US$ 670 milhões no ano passado. Até 2007, o Banco Mundial estima que as movimentações anuais devem atingir US$ 10 bilhões, sendo que o Brasil, como grande player deste mercado, deve ficar com 10% do filão. Por ordem de importância, Europa, Japão e Canadá serão os principais parceiros do Brasil neste negócio.

No entanto, é importante claro que os projetos devem ser auto-sustentáveis e agregar valor em termos de meio ambiente e responsabilidade social, ou seja, devem assegurar um elevado padrão de consistência no atendimento de seus propósitos de redução de emissões, de melhoria ambiental e de contribuição ao desenvolvimento de modo geral. Além disso, há uma falta ou inexistência de dados confiáveis a respeito do Mercado de Carbono em formação. Esse problema é mais freqüente com os preços da tonelada de CO2e. Segundo fontes secundárias, os certificados hoje, estão sendo negociados na faixa de US$ 2 a US$ 10. Fala-se de um intervalo de US$ 10 a US$ 20 no curto prazo e até de US$ 50 – US$ 100 no médio prazo.

Apesar de existência de informações inconsistentes e preliminares, o que se deve ter em mente é que os preços estão evoluindo de acordo com a definição das regras e critérios dos projetos elegíveis ao MDL e, de forma mais geral, de acordo com a formação do Ambiente Institucional. Hoje, os projetos devem oferecer benefícios de longo prazo, reais e mensuráveis, para os propósitos de redução de emissões também promover um redução de GEE adicional, ou seja, uma redução que não seria obtida no caso da inexistência do projeto.

Dentro deste contexto, falta analisar o ultimo problema que é a existência de custos de transação ao longo do processo de aprovação de projetos. Estes custos envolvem pesquisa e obtenção de informações, custos de negociação de contratos e tomada de decisão, custos de monitoramento e supervisão, etc. Apenas em burocracia (consultoria, auditoria, taxas governamentais) um projeto de MDL tem um custo estimado em US$ 30 mil. Para se ter uma idéia dos passos necessários para um projeto elegível ser aprovado, podemos enumerar:

  1. Contratação de uma consultoria técnica especializada.
  2. Elaboração do projeto conjuntamente com a consultoria, com a definição da quantidade de emissões reduzidas a serem transacionadas.
  3. Aprovação pela Autoridade Nacional (Comissão Interministerial de Mudanças Climáticas) e validação por uma entidade certificadora.
  4. Registro no Comitê Executivo do MDL (órgão executivo da ONU).
  5. Monitoramento da redução de emissões pela empresa interessada.
  6. Verificação e Certificação pela entidade certificadora.
  7. Emissão dos CERs pelo Comitê Executivo do MDL.

Para finalizar, é importante ter em mente que a AIE enxerga que, muito embora o Brasil e outros países asiáticos e africanos terão vantagens de custo na produção dos biocombustíveis pelos próximos 100 anos, o outro lado da história é que nada assegura que a cana-de-açúcar e os demais óleos vegetais sejam a melhor opção no rastro de inovações tecnológicas que vão surgir para produzir o biocombustível talvez o uso do álcool de cana e do biodiesel, por meio dos "blends" etanol/ gasolina ou biodiesel/ diesel de petróleo e dos carros flexíveis/ híbridos, sejam apenas uma onda no desenvolvimento tecnológico da energia renovável a caminho da economia do hidrogênio.

Fonte: Revista GTD – Ano 2 – Edição 12 – Março/Abril 2006

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