Agronegócio

A figura do responsável pelo gerenciamento das empresas rurais

A figura da pessoa designada para gerenciar as empresas rurais vem sofrendo profundas alterações ao longo dos últimos anos.

A liderança autoritária exercida pelos “fiscais”, que muitas vezes são os proprietários das fazendas, consiste em tentar controlar outras pessoas somente baseado no poder da posição. Por ocuparem cargos de hierarquia superior, os gerentes se defendem no seu autoritarismo e as tarefas são executadas pelo respeito, pelo medo da punição.

No entanto, algumas mudanças têm ocorrido nestes últimos anos.  O item “mão de obra” vem se tornando a cada dia mais relevante nas planilhas de custo de produção. A disponibilidade de pessoas nas áreas rurais vem diminuindo constantemente nos últimos anos chegando a taxas de urbanização de até 94% em alguns estados da região sul e sudeste do Brasil, de acordo com dados do IBGE.  Ou seja, de cada 100 habitantes, apenas 6 ainda vivem em áreas rurais nestas regiões. Além disso, a distância entre o campo e as cidades vem se encurtando e o acesso às tecnologias tem se tornado a cada dia mais evidente.


O gráfico acima demonstra o êxodo rural no mundo. De acordo com dados da ONU, em 2050, 60% da população mundial residirá nas cidades, realidade muito diferente da década de 50, quando para cada 2 moradores da zona rural, existia aproximadamente 1 morador das cidades.

Este cenário somado a tantas outras modificações ocorridas no contexto das fazendas leiteiras levaram à necessidade de existir alguém mais preparado, técnica e pessoalmente, para gerir as fazendas leiteiras. A cada dia a gestão baseada no autoritarismo perde suas forças e novos modelos de gerenciamento passam a ser reconhecidos.

Mudanças na maneira de ver o gerente

É comum ouvir questionamentos de gerentes ou proprietários sobre como fazer com que seus colaboradores se comprometam com o negócio, como mantê-los motivados, como formar equipes que sejam criativas, comprometidas e ainda fáceis de relacionar. Infelizmente, a resposta para tais perguntas não é simples e nem tão rápida.

O fato é que, em alguns casos, a atitude dos funcionários reflete a forma de atuação do seu superior. No entanto, não é fácil reconhecer e aceitar que a mudança deve começar neles, que são os principais responsáveis pelo sucesso ou insucesso das organizações.

É comum ouvir que o bom gerente dever saber de tudo o que acontece na propriedade. Que deve distribuir os serviços todos os dias pela manhã, acompanhar todo o processo de produção, de compras e vendas, enfim, que tudo o que acontece nas propriedades deve passar pelas mãos do gerente. Mas, qual a probabilidade dele conseguir acompanhar todos os processos produtivos da fazenda? Como crescer seu negócio restringindo-o à sua capacidade de gerência presencial? Como formar sucessores para dar continuidade ao seu trabalho? Como conciliar qualidade de vida e trabalho?

Ao limitar a gestão do seu negócio à sua capacidade de estarem presentes em todos os processos e setores da propriedade, os gestores estão abrindo mão simultaneamente de varias das respostas às estas perguntas.
Assim, surge no contexto o conceito de compartilhamento do poder. Conhecido no meio empresarial por “Empowerment”, o processo pelo qual o poder é compartilhado com os liderados tem por objetivo descentralizar as decisões, engajar mais pessoas nos processos sem que para isso o gerente tenha que ter menos poder. É válido lembrar que compartilhar o poder é bem diferente de dividi-lo. Quando é compartilhado, ocorre multiplicação da capacidade de gerenciar e liderar, e não o enfraquecimento do papel do líder ou gestor como muitos proprietários e gestores ainda crêem.

Entretanto, um primeiro grande desafio é criado quando surge, para os gestores, a necessidade de se questionar, avaliar as suas atitudes, repensar a forma como há muito vem gerindo suas propriedades. É muito mais fácil pensar que o problema está nos outros…

A escolha do gerente e a formação de liderança

Qual é o melhor perfil para gerenciar uma propriedade ou setor? Muitas vezes as pessoas escolhidas são aquelas com melhor desempenho técnico, que são especializadas e operacionalmente destacadas. No entanto, quando é escolhido para gerente alguém com perfil estritamente técnico, corre-se o sério risco de, além de se perder um excelente operador, ganhar um péssimo gerente.

Assim, é importante lembrar que nem sempre o perfil técnico e o de liderança estão alinhados e que, muitas vezes, o melhor ordenhador ou tratorista, por não terem características de liderança e uso do poder, podem tornar-se péssimos gerentes, prejudicando o processo de delegação de responsabilidades e compartilhamento do poder.

A figura abaixo ilustra a necessidade de conhecimentos necessários para desempenho de diferentes estágios dentro de qualquer organização.

Quando as pessoas ocupam cargos operacionais, há a necessidade de profundo conhecimento técnico. À medida que se aumenta o nível hierárquico, a necessidade de conhecimentos técnicos específicos diminui, aumentando linearmente a necessidade do uso de conhecimentos conceituais, aqueles referentes à estratégia. Os conhecimentos humanos, por ser base para a relação entre pessoas, permanecem representativos em todos os estágios organizacionais.

Portanto, ao imaginar quais são os pré-requisitos básicos para tornarem-se gerentes eficazes, as pessoas devem ampliar sua gama de conhecimentos, não se restringindo a conceitos técnicos, investindo em desenvolvimento interpessoal e conceitos estratégicos das empresas. É válido lembrar que possuir bom embasamento técnico é fundamental para o crescimento profissional, como demonstrado na figura.

A formação de uma boa equipe

Nas propriedades rurais, bons resultados somente serão possíveis se houver um bom time para planejar e executar as tarefas.

Equipes motivadas são iniciadas por boas contratações e correta organização dos cargos e funções. Assim, é desejável que o gerente observe alguns pontos:

  • Contratação: o sucesso do desempenho pessoal somente será possível se houver congruência entre as expectativas do contratante e do contratado. Algumas perguntas, se respondidas antes da contratação podem ajudar a aumentar o índice de acerto dos gestores: – O que você espera do candidato ao cargo? Quais tarefas serão desempenhadas por ele no exercício do cargo? Quais as características desejáveis para alguém ocupar este cargo?

Depois de discutidas e respondidas estas questões, os gestores estarão mais preparados para entrevistar e identificar candidatos com maior aptidão para os cargos. Após a realização da entrevista, uma pergunta ainda deve ser respondida: Qual a chance deste candidato se realizar dentro da empresa?
Se for a intenção formar equipes com índices de rotatividade (entrada e saída de funcionários) baixos, devem ser levados em conta os sonhos pessoais e expectativas profissionais dos candidatos aos cargos.

  • Definição das relações de hierarquia: É desejável que as pessoas conheçam as relações de poder dentro da organização. Ou seja, a definição da hierarquia da fazenda deve ser clara e formal. É interessante pensar nas diversas formas possíveis de montagem do organograma, levando em conta a necessidade das pessoas poderem vislumbrar crescimento dentro dos mesmos.

  • Organização do trabalho: Fase importante na profissionalização da gestão, esta etapa tem por objetivo organizar as relações de trabalho dentro da fazenda. 

Como exemplo, podemos citar as seguintes ações:

  1. Descrição de tarefas – Documento onde constam todas as atividades realizadas por determinado cargo. Será muito útil na elaboração das futuras descrições de cargos e montagem das rotinas de trabalho. Ao elaborar descrições de tarefas é possível identificar tarefas sem dono e possíveis duplicidades de tarefas.
  2. Elaboração de rotinas de trabalho – Tem por objetivo organizar as tarefas de cargos as quais repetem-se ao longo dos dias. É uma forma de organizar o tempo, prevendo a duração de cada tarefa e organizando-as ao longo dos dias. As rotinas de trabalho podem ser grandes aliadas na diminuição das perdas de tempo e retrabalhos.
  3. Criação de listas de checagem- Os conhecidos check list são documentos que objetivam auxiliar os executores das tarefas a observar os principais pontos necessários de cada setor nos momentos em que estes forem visitados. Um responsável pela ordenha, por exemplo, pode utilizar um check list de ordenha onde constarão todos os pontos a serem observados em cada vez que fizer a checagem dos equipamentos e ou procedimentos.

Os exemplos acima são alguns dentre tantos outros que visam organizar os trabalhos e gerar ganhos em eficácia e uso do tempo.

É importante ressaltar a oportunidade de elaborar tais documentos e ferramentas juntamente com aqueles que vão executá-los, gerando assim maior envolvimento e engajamento dos mesmos.

Necessidade de ouvir

Aqueles que buscam evoluir na liderança de pessoas e gestão de empresas necessitam se preparar para ouvir. Em várias ocasiões, por não saber ouvir, gestores deixam de enxergar possíveis mudanças de cargos ou na maneira de realizar determinadas tarefas.

O autor João Cabral de Melo Neto, em seu texto denominado “Escutatória”, menciona o quanto as pessoas são preparadas para falar bem em público, se apresentar de forma satisfatória em diversas situações, mas que, simplesmente, não sabem ouvir.

Ao se capacitar para ouvir sua equipe e as pessoas comprometidas com o sucesso de seu negócio, abrindo mão de se defender em suas verdades e permitindo que outros envolvidos digam as deles, os gerentes certamente estão dando um grande passo em busca do sucesso de suas equipes.

Vários são os relatos de gestores que passaram a se impressionar com a criatividade de suas equipes a partir do momento que os permitiram opinar.

Os perfis de atuação gerencial

Você já imaginou uma fazenda ondenão há alguém hábil para acompanhar os processos produtivos? Um gerente que não entenda de vacas, de equipamentos de ordenha, medicamentos e seus usos, ou mesmo que não entenda de operações agrícolas básicas?

Será possível haver alguma empresa rural bem sucedida sem que haja pessoas capacitadas para comprar e vender bem? Alguém que possua habilidades comerciais para comprar com eficácia e conseguir agregar valor nas vendas, negociar bem o preço de leite, vender vacas com alto valor agregado?

Você consegue enxergar uma fazenda leiteira bem sucedida sem uma correta coleta de dados? Sem alguém direcionado para trabalhar com a “papelada”, lançar notas fiscais, controlar índices zootécnicos, fechar o ponto de funcionários, elaborar rotinas de trabalho, etc?

É necessário existir nas propriedades leiteiras os três perfis de atuação:

  1. Técnico: Aquele que coordena as atividades, que entende tecnicamente do que deve ou não ser realizado, que sabe cobrar e como cobrar para que as coisas aconteçam;
  2. Comercial: Aquele responsável pela comercialização de produtos e animais (eficaz na compra e na venda), que forma parcerias, grupos, etc;
  3. Escritório: Aquele com habilidade para gerenciar números, controlar notas, elaborar planilhas, coletar dados, entre outros.

Alguns gestores, ao refletirem sobre estes três papéis podem enxergar que não estão aptos para desenvolver todos eles simultaneamente. No entanto, por serem fundamentais para o sucesso das atividades, é necessário definir responsáveis para cada um dos papéis.

Existem exemplos de grupos de pequenos produtores que se organizam para contratar um secretário responsável por ser a pessoa de escritório do grupo, dividindo os custos e os benefícios.

A necessidade de gerenciar para resultados

Um dia desses, visitando uma fazenda leiteira, conheci um produtor que há muito se dedicava ao controle de vários índices e indicadores. Orgulhava-se de ter suas planilhas de custo arquivadas há 20 anos, indexadas em dólar em função da volatilidade do cambio no início da década de 90. Controlava seus estoques de produtos já há algum tempo e trazia grandes pilhas de papéis embaixo do braço demonstrando o quanto valorizava os controles e levantamento de dados de sua propriedade. Enfim, era um produtor preocupado em coletar dados fidedignos, com muito critério. Ao checar alguns dos lançamentos recentes, pude comprovar que realmente as coletas de dados eram muito bem feitas e os lançamentos realizados perfeitamente.

No entanto, ao fim da apresentação de todos estes controles, dirigi a ele algumas perguntas as quais foram responsáveis por inúmeras horas de conversas subsequentes. Perguntei a ele: Quais decisões foram tomadas com tais índices e indicadores? De quanto em quanto tempo os dados são analisados? Quem tem acesso a tais relatórios? Quanto tempo após o fim do período os dados são analisados e discutidos? Qual o direcionamento dos próximos focos de atuação da propriedade?

Como dito acima, estas simples perguntas geraram várias discussões e exemplificam alguns dos principais erros cometidos no gerenciamento de propriedades leiteiras. Muitas ações são realizadas sem que antes sejam determinadas suas finalidades. Assim, se perdem no meio do caminho por não obterem o foco necessário para sua manutenção.

Gerenciar para resultados consiste basicamente em definir previamente o alvo e depois os caminhos para o alcance do mesmo. Quando procedimentos são implantados nas propriedades sem uma prévia discussão das finalidades e aplicações, podem ocorrer gastos desnecessários de dinheiro e energia dos envolvidos gerando uma conhecida sensação de angústia por não saber para onde estão indo os esforços da empresa.
É papel do gerente estar sempre alerta na manutenção dos esforços direcionados ao alcance dos objetivos.
Tornar-se gestor diferenciado somente será possível àqueles que conseguirem se questionar, enxergar onde falham e agir na busca do auto-desenvolvimento.

A seguir, algumas dicas para aqueles que desejam se desenvolver na prática da gerência.
Pense global, mas aja no foco;
Escute sua equipe;
Trace metas de longo e curto prazo;
Acompanhe as metas;
Defina um grupo de indicadores a serem medidos;
Pense sistematicamente na montagem da equipe;
Inverta a lógica natural – definição do objetivo primeiro, execução depois;
Confie e seja confiável;
Seja coerente;
Invista no seu auto-conhecimento;
Organize seu tempo;
Adquira o hábito de planejar.

Reforçar as idéias de que é impossível obter sucesso na pecuária leiteira sem ajuda governamental, que trabalhar com pessoas no agronegócio é impossível e tantos outros paradigmas relatados nas “rodas de conversa” de produtores, infelizmente não trará mudanças nos resultados dos negócios.

No entanto, investir na qualificação da gerência da propriedade pode, sem sombra de dúvidas, ser um grande passo na obtenção de resultados positivos.

É estranho como somos acostumados a esperar resultados diferentes fazendo o mesmo que os outros fazem ou que sempre fizemos.

A decisão é sua!

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