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Salmonelose

A salmonelose clínica por Salmonella cholerasuis é rara nos rebanhos tecnificados do Brasil. Entretanto, os suínos se infectam com uma variedade de sorovares, que não causam a doença clínica, mas podem ser importantes fontes de contaminação para os produtos finais. A prevalência destes sorovares nos suínos de abate é maior que 50% e as sorovares mais freqüentes são a typhimurium, Agona, Derbey, Bredney e Panamá. A S. typhimurium é a segunda mais importante nas infecções alimentares em humanos. Isto enfatiza a necessidade e importância de implementar programas de controle, tanto nas unidades produtoras como no transporte, abate e interior dos abatedouros. 

Importância

A demanda por alimentos seguros têm sido um processo crescente no mercado. A ausência de microrganismos patogênicos, principalmente aqueles causadores de zoonoses, nos produtos de origem animal é uma exigência de regulamentos nacionais e internacionais. Entre esses microrganismos, a Salmonella tem sido uma preocupação, ao longo dos anos, na indústria de produtos avícolas e vem ganhando importância também na cadeia de produção de suínos.  

A partir da crescente ênfase na segurança de produtos cárneos que chegam ao consumidor, tem-se estimulado a identificação de meios para reduzir ou eliminar Salmonella sp. antes do abate, uma vez que a redução das taxas de infecção pré-abate resulta em aumento na segurança dos produtos suínos (FUNK et al., 2001).  

Além da sua importância em saúde pública e o impacto sobre o comércio, verifica-se que, embora não sendo importante causa de doença clínica nos rebanhos, a Salmonella pode levar a perdas econômicas também na granja. Dados indicam que a Salmonella pode aumentar o custo de produção devido, principalmente, ao aumento do tempo até a venda e ao consumo excessivo de ração. Desta forma, grupos de suínos com uma soroprevalência tida de baixo risco têm sido apontados como de melhor eficiência de produção do que grupos de moderado ou alto risco epidemiológico (GORTON et al., 1999). 

Patogenia no Suíno

Em geral essa bactéria não causa manifestações clínicas em suínos, sendo poucos sorovares, como o Choleraesuis e o Typhimurium, os que constituem causa significativa de doença. Nos suínos, a forma clínica da doença pode se manifestar como uma septicemia aguda ou como uma enterocolite aguda ou crônica (SOBESTIANSKY et al., 1999). No Rio Grande do Sul, existem registros de formas entéricas e septicêmicas (BARCELLOS et al., 1984), o que ocorre também em outras áreas do Brasil e do mundo. Suínos que sobrevivem à septicemia aguda podem desenvolver sinais clínicos devido às lesões localizadas, como pneumonia, hepatite, enterocolite e, ocasionalmente, meningoencefalite. Animais com enterocolite podem vir a desenvolver um definhamento crônico. Os suínos podem recuperar-se totalmente, mas alguns poderão permanecer como portadores e excretores intermitentes por meses (SCHWARTZ, 2000). Por outro lado, são os sorovares que não causam doença clínica no suíno os que têm maior importância para a segurança alimentar, uma vez que o animal portador não apresenta sintomas, mas é uma fonte permanente de contaminação desde a granja até o processamento industrial.

Epidemiologia

Os sorovares de Salmonella sp. importantes para a segurança alimentar estão associados a um grande número de hospedeiros, tornando importante a disseminação da infecção entre diferentes espécies.

A introdução e subseqüente transmissão da infecção dentro do rebanho e entre rebanhos são os fatores mais importantes na cadeia epidemiológica de Salmonella em suínos (LO FO WONG et al., 2002). Isto indica que o contato entre animais provenientes de diferentes granjas, desde o agrupamento dos animais até o abate e resfriamento de carcaças, é a chave para a introdução e disseminação de Salmonella na cadeia de produção, já que uma granja com uma alta prevalência de Salmonella pode ser fonte de contaminação para várias granjas no estágio seguinte (VAN DER GAAG et al., 2003). 

Introdução no Sistema de Produção

A introdução da Salmonela na cadeia de produção pode ocorrer em diferentes estágios. Nos estágios primários, as fontes de infecção podem ser animais pertencentes ao próprio grupo, animais de outros grupos da mesma granja ou fatores externos como a ração, pessoal ou vetores, como roedores. Durante o transporte, os caminhões contaminados e no abatedouro a contaminação cruzada, a partir de animais excretores, são pontos importantes de contaminação (VAN DER GAAG et al., 2003).

Muitos pesquisadores atribuem risco significativo de introdução de Salmonella através de alimentação (STÄRK et al., 2002), sendo a maior exposição dos animais através de ração contaminada. Dessa forma, tem sido demonstrada a relação entre sorovares encontrados em amostras de ração com aqueles recuperados de animais (FEDORKA-CRAY et al., 1997).

Embora ingredientes de origem vegetal também possam servir de fonte de contaminação para os alimentos (SCHWARTZ, 2000), a utilização de farinhas de origem animal é apontada como a principal fonte de introdução de Salmonella sp na ração. Pesquisas estimam que 15% a 30% de todas infecções no período de terminação podem ser atribuídas à (re)contaminação de ração (Figura 3). Desta forma, é importante considerar que a contaminação da ração nos silos ou comedouros pode ter um importante papel na propagação do ciclo de contaminação na granja (BERENDS et al., 1996). 

Assim sendo, os esforços para manter a ração animal livre de contaminação por Salmonella requerem não somente o tratamento térmico, mas também proteção da ração final do contato com reservatórios como pássaros e roedores, materiais contaminados ou contaminação residual em caminhões (FEDORKA-CRAY et al., 1997). Roedores e outros animais presentes em propriedades, bem como a água e o ambiente constituem importantes fatores para a epidemiologia da infecção em suínos.

A introdução de animais constitui um grande risco para a introdução de Salmonela nas granjas. Letellier et al. (1999) encontraram 15,9% das fêmeas de reposição e 21,9% das unidades de terminação de leitoas positivas para Salmonela no Canadá. No Rio Grande do Sul, Silva et al. (2003) encontraram uma prevalência média de 32% de leitoas de reposição positivas.

Como reflexo, trabalhos apontam a prevalência de Salmonela em rebanhos de fêmeas suínas como sendo um fator de risco para a introdução de Salmonela em seus rebanhos de terminação (KRANKER & DAHL, 2001). Por outro lado, outros autores afirmam não ser freqüente a transmissão de Salmonela sp. das granjas de reprodução e multiplicação para as terminações, o que poderia ser explicado pelo papel de proteção do colostro.

Enquanto alguns estudos detectaram um pico de excreção de Salmonela na creche, apontando essa fase zootécnica como importante no ciclo de infecção do sistema de produção (KRANKER et al., 2002), outros identificaram a terminação como a fase de maior importância epidemiológica (SILVA et al., 2003).  

Disseminação da Infecção do Sistema de Produção

A alta taxa de recuperação de Salmonella do ambiente indica que esse pode contribuir para a persistência da infecção, uma vez que muitas granjas têm ciclos de contaminação com linhagens próprias de Salmonella sp. (BERENDS, et al., 1996). Embora não seja possível concluir que as amostras ambientais constituem as principais fontes de infecção dos suínos, não há dúvida de que elas podem estar envolvidas em subseqüente recontaminação, quando medidas apropriadas não forem tomadas (LETELLIER et al., 1999).

Assim sendo, considerando a capacidade da Salmonella sp. sobreviver e multiplicar-se fora de seus hospedeiros, o “Problema Salmonella” também é um “Problema de higiene” (BERENDS et al., 1996). Além disso, estudos recentes demonstram que, em condições experimentais, a Salmonella pode infectar suínos expostos ao ambiente contaminado por um período de apenas duas horas (HURD et al., 2001). 

Desta forma as práticas de limpeza e desinfecção tornam-se cruciais na redução do risco de contaminação e/ou doença clínica dos animais. Também tem sido proposto que o sistema Todos Dentro – Todos Fora de produção de suínos contribui para a redução da prevalência de Salmonella. Contudo, práticas de manejo e o uso de detergentes e desinfetantes só é útil se feito adequadamente. Isto implica que procedimentos sem limpeza e desinfecção adequados podem não reduzir os níveis de contaminação de Salmonella abaixo de dose infectante mínima, mantendo um ciclo de infecção nos rebanhos (VAN DER WOLF et al., 2001). 

Embora a Salmonella sp. possa sobreviver por longos períodos no ambiente, é aceito que os animais portadores são a maior fonte de infecção, tanto para outros animais como para humanos. Vários tipos de portadores têm sido identificados. Os portadores ativos excretam Salmonella sp. por meses ou anos. Os portadores passivos são os animais que ingerem Salmonella sp. e esta passa através do intestino, nas fezes, com pouca ou nenhuma invasão nos linfonodos mesentéricos. Já os portadores latentes são animais que têm Salmonella sp. em seus tecidos, mas geralmente não excretam o microrganismo nas fezes. Certos fatores de estresse podem promover a excreção de Salmonella sp. por animais portadores, bem como, levar à ativação ou reativação da infecção nesses animais.

A excreção ativa de Salmonella sp. pode ser originada pelo estresse que está associado a vários fatores como a superlotação das baias, a idade, a privação de alimentos e água, a administração de corticóides e o transporte dos animais. Tem-se ainda a mistura de lotes de várias propriedades, feito nas unidades de terminação, o que também propicia a disseminação da infecção.

A infecção de suínos por Salmonella pode ocorrer na granja, entretanto o transporte, a espera e o abate também serão momentos críticos para a contaminação dos lotes (SWANENBURG et al., 2001). A infecção durante o transporte para o frigorífico ocorre se não houver limpeza e desinfecção adequadas dos caminhões, ou quando existirem animais excretando Salmonella durante o transporte. Rostagno et al. (2002) demonstraram que 83,3% dos caminhões por eles amostrados eram Salmonella positivos. 

A espera é um local onde suínos provenientes de diferentes granjas são reunidos, javendo maior oportunidade para animais livres de Salmonella sp. entrar em contato direto ou indireto com indivíduos portadores (VAN DER GAAG et al., 2003). Em estudos realizados no Brasil, até 100% das baias de espera de alguns frigoríficos foram classificadas como contaminadas com Salmonella (ROSTAGNO et al., 2002; SILVA et al, 2003). 

Animais que já estão infectados antes de chegarem ao frigorífico são responsáveis pela contaminação das baias de espera e ser fonte de infecção para outros animais. Assim, para prevenir uma contaminação cruzada durante o transporte, a espera e o abate, lotes livres de Salmonella deveriam ser separados de animais provenientes de rebanhos infectados, ou rebanhos com status desconhecido (BERENDS et al., 1996).

Ao lado disso, animais portadores podem contaminar o ambiente, os equipamentos e as carcaças durante o processamento. A ocorrência de Salmonella sp. em linfonodos intactos da carcaça e no conteúdo intestinal foi relatada, demonstrando o risco em saúde pública do abate de animais portadores (ALVES et al., 1994; CASTAGNA et al., 2003). 

Contudo, pode-se observar que na fase da evisceração até resfriamento pode ocorrer a inversão do status de contaminação das carcaças, dependendo das práticas adotadas no abatedouro. Um suíno infectado pode tornar-se uma carcaça livre de Salmonella se a evisceração é conduzida cuidadosamente, sem contaminar a carcaça (VAN DER GAAG et al., 2003). Por outro lado, carcaças de suínos livres de Salmonella podem tornar-se positivas por causa de contaminação cruzada por bactérias presentes em outras carcaças ou nos equipamentos. 

Conclusão

A epidemiologia da infecção por Salmonella sp. em suínos é complexa, apresentando múltiplos fatores determinantes da transmissão do microrganismo. Ao longo da cadeia de produção é possível observar a amplificação do problema, geralmente pela rápida transmissão da bactéria a animais não infectados, após o contato com ambientes e animais positivos para Salmonella. Sendo assim, a garantia de um produto livre de Salmonella passa por medidas de controle implementados na granja, no transporte, na espera pré-abate e na linha de processamento. Somente a ação integrada em todas as fases garantirá o sucesso dos programas de controle.

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