Por que eu ainda trabalho para a indústria da carne? – Temple Grandin
Por Temple Grandin, professora de Ciência Animal da Universidade do Estado do Colorado e especialista em manejo de bovinos, métodos de abate humanitário e bem-estar animal.
Muita gente me pergunta: “Por que você ainda trabalha para a indústria em vez de ser uma ativista contra eles?” Um fator importante para minha decisão de continuar a comer carne foi que o gado e os porcos viviam em boas condições na década de 1970, quando iniciei minha carreira. As leitoas viviam em cercados e não existiam as baias de porca em que passam a maior parte da vida sem poder se virar.
O manejo e o transporte eram atrozes nos anos 1970, mas os locais em que os animais viviam eram decentes. O gado de corte era criado solto em pastos de fazendas familiares e os imensos currais de engorda, que criavam de vinte mil a sessenta mil cabeças, eram secos e providos de sombra.
Nos primeiros 11 anos da minha carreira, no Arizona, eu quase não via currais enlameados e imundos porque o Arizona é um estado muito quente, com temperaturas de quase quarenta graus e apenas 15 a vinte centímetros de chuva anuais.
Todos os currais de engorda no Arizona têm sombra e o gado se dava muito bem com o clima seco. Nesses meus primeiros anos de carreira, o gado de corte e o leiteiro com que trabalhei viviam em lugares ótimos. Lembro-me de uma fazenda de gado leiteiro em que os animais recebiam um tratamento excelente de um administrador que adorava vacas.
Quando Michael Pollan, autor de The Omnivore’s Dilemma, visitou a fazenda em que seu boi vivia, o terreno enlameado causou-lhe péssima impressão.
Nos anos 1970, já havia alguns bons administradores que não permitiam maus-tratos e manejo brutal dos animais. Algumas fazendas de engorda tinham excelente administração e a filial da Swift, onde comecei a trabalhar, mantinha um bom manejo. Desde meus primeiros dias de trabalho vi que o gado pode ter uma vida boa e uma morte sem dor.
Se meu trabalho com animais tivesse começado com gaiolas de galinhas poedeiras ou currais lamacentos, minha carreira teria tomado outro rumo.
Muitas pessoas se tornaram ativistas porque a primeira experiência delas com animais foi absolutamente terrível. Nos meus primeiros cinco anos de carreira, vi maus-tratos horrorosos, mas alguns administradores e vaqueiros conscienciosos me mostraram que a criação e o manejo do gado podem ser conduzidos com respeito e gentileza.
Isso me motivou a trabalhar para melhorar a indústria, em vez de tentar convencer as pessoas a não comer carne. A convivência com pessoas boas e amáveis na criação de gado teve uma enorme influência sobre mim.
Eu sabia que a indústria tinha seus problemas, precisava de reformas, e essas pessoas me fizeram crer que era possível. A princípio, julguei que a engenharia pudesse fazer todas as melhoras necessárias, mas depois aprendi que é preciso aliar os bons projetos e a boa engenharia a uma boa administração.
Perguntei muitas vezes: “Os bois sabem que vão morrer?” Tive que responder a essa pergunta quando ainda estava na faculdade.
Para encontrar a resposta, observei o gado passar pelo boxe do veterinário em um curral de engorda e, no mesmo dia, vi o gado entrando no boxe de contenção da Swift. Para meu espanto, eles se comportaram da mesma maneira nas duas situações. Se soubessem que iam morrer, teriam reagido com violência, com mais recuos e coices, nas instalações da Swift. O manejo foi melhor na Swift e eles ficaram mais calmos lá.
Tenho pensado muito ao longo dos anos e cheguei à conclusão de que nosso relacionamento com os animais que criamos para comer deve ser simbiótico. Simbiose é uma relação mutuamente vantajosa para dois seres vivos. Damos alimento e abrigo aos animais e em troca usamos as crias desses animais como alimento.
Recordo vividamente o dia seguinte ao que instalei a primeira calha de transporte com trilho central em um matadouro em Nebraska e subi para uma passarela onde via o grande rebanho de gado lá embaixo. Todos aqueles animais iam ser levados à morte por um sistema que eu havia criado.
Comecei a chorar, mas então tive um insight. Nenhum daqueles animais que estavam no matadouro teria nascido se os de sua espécie não tivessem sido criados e alimentados por pessoas. Nunca teriam vivido. As pessoas esquecem que a natureza é cruel e a morte na natureza pode ser muito mais sofrida e dolorosa do que em um matadouro moderno.
Os fazendeiros se esforçam muito para salvar os animais. O ambiente natural pode ser muito cruel. Os animais que pastam, como o gado, carneiros e cabras, são uma parte vital da agricultura orgânica e autossustentável. O estrume é utilizado como fertilizante orgânico, em vez de fertilizantes químicos. Além disso, os animais podem melhorar as pastagens, evitando a desertificação do solo. Os animais de pasto são ainda mais úteis em regiões com baixo índice de chuvas.
Tenho grande preocupação com os programas mundiais de conversão de cereais em combustível, porque vão aumentar a criação intensiva de animais. Nos Estados Unidos e na América do Sul, pastos de ótima qualidade estão sendo transformados em plantações. Em algumas áreas, o gado está sendo transferido dos pastos para currais de engorda. Em muitas terras, a lavoura vai aumentar a erosão do solo e deteriorar o ambiente. O melhor uso dessas terras é para pastagem, onde os animais contribuem para manter a terra saudável.
Frequentemente me perguntam: “Como é possível você gostar de animais e desenhar equipamentos para matadouros?”
Atualmente, a maioria das pessoas se distancia totalmente da morte, mas todo ser vivo morre. É o ciclo da vida. Se as pessoas assumem a responsabilidade de criar animais, devem também assumir a responsabilidade de lhes dar condições de vida decentes e uma morte sem dor. É preciso melhorar as condições de vida dos animais nas fazendas de criação intensiva.
Muita gente acha que a morte é o que pode acontecer de mais terrível ao animal. A meu ver, o mais importante é a qualidade de vida do animal. Para ter uma vida boa é preciso saúde, não ter dores nem emoções negativas e ter sempre muitas atividades que ativem os sistemas “buscar” e “brincar”.
Muita gente prefere não acreditar que os animais têm emoções. Acho que as emoções dessas pessoas estão bloqueando a lógica. Quando leio relatos científicos sobre estimulação elétrica nos sistemas subcorticais do cérebro, a única conclusão lógica é que as emoções básicas dos humanos são semelhantes às dos outros mamíferos.
Meu pensamento lógico pode contribuir para a reforma dos abatedouros, e uso os mesmos processos de pensamento lógico para aceitar totalmente a existência de emoções nos animais.
Por Temple Grandin, professora de Ciência Animal da Universidade do Estado do Colorado e especialista em manejo de bovinos, métodos de abate humanitário e bem-estar animal, artigo resumido a partir do Posfácio do livro “O bem-estar dos animais”, de Temple Grandin e Catherine Johnson, Editora Rocco, 2009. Páginas 303-308.
Veja abaixo um vídeo em que Temple Grandin faz um tour guiado em uma planta de carne bovina, onde se pode ver “como uma planta grande funciona quando tudo opera corretamente”, segundo ela.
“Durante toda a minha carreira, tenho trabalhado na melhora do manejo animal e uma das minha maiores frustrações é que, quando vamos na internet, só têm aqueles vídeos escondidos terríveis. Não há muitos vídeos que mostram as coisas sendo feitas de forma correta. Um dos problemas de se fazer tours em grupos em plantas, além da questão da segurança, é que as pessoas ficam nos locais errados e deixam os animais mais agitados. Mas hoje, vamos fazer um tour mostrando como as coisas funcionam quando é feito certo”, diz ela na abertura do vídeo.
O vídeo está em inglês, mas as imagens são bastante elucidativas, mostrando o manejo que deixa os animais calmos, o tipo de piso usado, que impede que eles deslizem, a densidade adequada de animais no curral no momento do descanso.
Ela também explica que quando o animal fica estressado logo antes do abate, como por exemplo, quando é usado o choque seguidas vezes, a carne fica mais dura e escura. Grandin também aconselha movimentar os animais em grupos menores.
Grandin explica sobre como os animais pensam por imagem (e não, através de linguagem verbal, como os humanos) e se distraem com facilidade, bem como fala sobre a maneira correta de fazer a insensibilização do animal e os reflexos motores que continuam por um tempo – mas que são apenas reflexos, já que os demais sinais mostram que o animal já está morto. Caso não seja esse o caso, o animal é imediatamente abatido.
Por fim, ela mostra os procedimentos feitos na carcaça, que garantem a segurança e qualidade da carne, bem como discorre sobre a importância do tratamento humanitário dos animais.