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A Instrução normativa 62

O percurso da instrução normativa e o enquadramento dos produtores:

A Instrução Normativa 51, de 2002, regulamenta a produção, identidade, qualidade, coleta e transporte do leite tipo A, leite cru refrigerado e leite pasteurizado. A IN 62, de 29 de dezembro de 2011, altera o cronograma para alcançar os parâmetros de qualidade do leite. A normativa tem como principal foco a redução da Contagem de Células Somáticas (CCS) e da contagem bacteriana total (CBT) do leite produzido nas propriedades. A CCS demonstra a sanidade da glândula mamária das vacas, enquanto a CBT reflete a higiene na retirada e no armazenamento do leite. O objetivo geral da norma é promover a melhoria da qualidade do leite no Brasil por meio de um controle mais rígido da matéria-prima, que deve ser obtida em condições higiênicas adequadas e refrigerada para que haja a manutenção da qualidade do leite desde a ordenha até a chegada à indústria.

A instituição da IN 51 e da IN 62 foram uma das grandes alavancas para a melhoria da qualidade do leite no país. Desde então há uma crescente preocupação com a qualidade, criando um ambiente propicio a sua valorização. Antes da IN 51 os produtores não sabiam quais parâmetros de qualidade deveria ter o leite produzido em sua propriedade. Associado a isso, o pagamento por qualidade pelas indústrias beneficiadoras do leite e o incentivo a capacitação dos produtores como, por exemplo, o programa Leite Legal, com o apoio do SENAR, SEBRAE e Confederação de Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), e por outros órgãos envolvidos com a capacitação do produtor, são grandes ações que visam a melhoria da qualidade do leite. Embora haja vários trabalhos com o intuito de melhorar a qualidade do leite no Brasil, ainda há muito que melhorar.

 

A substituição da IN 51 pela IN 62 mostrou o quão distante do ideal o setor se encontrava. A IN 51/2002 previa a vigência de limites de CCS e CBT no patamar de 400.000 céls./mL e 100.000 UFC/mL, respectivamente, até dezembro de 2011. Das análises realizadas pelos laboratórios credenciados na Rede Brasileira de Laboratórios de Controle da Qualidade do Leite (RBQL), 27% estavam acima do limite previsto para final de 2011 para CCS e 40% para o limite de CBT. Há um escalonamento de prazos e limites para a redução de CBT e CCS até 2016 (tabela 1 e 2), para que se chegue a 100 mil/mL (CBT) e 400 mil/mL (CCS), metas propostas pela IN 51 para 2011, que se mostraram inviáveis na prática devido à discrepância da realidade dos produtores brasileiros. Resultados de avaliações da qualidade no Brasil mostram que entre 20 a 50% dos produtores não atendem às exigências mínimas em relação à contagem bacteriana total (CBT), que no momento é de 600.000 UFC/mL de leite, para as regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste.

CBT

Tabela 1: prazos e limites para a redução de CBT

CCS

Tabela 2: prazos e limites para a redução de CCS

Em julho de 2014, entram em vigor os novos limites para CCS e CBT para as regiões Centro-Oeste, Sudeste e Sul, sendo de 500.000 céls./mL e 300.000 UFC/mL, respectivamente. Alguns laboratórios da RBQL atestam que muitos produtores não se enquadram aos níveis de qualidade de leite exigidos. Na Clínica do Leite, da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz, da Universidade de São Paulo, 20% das amostras encontram-se foras dos limites de CBT de 600.000 UFC/mL, nível aceito até julho. Para o limite final de 100.000 UFC/mL em 2016, metade do leite analisado ficaria fora do padrão. Para CCS, 10 a 15% estão fora dos limites atuais e metade estariam fora dos limites de 400.000 céls./mL para 2016. No laboratório da Universidade Federal de Minas Gerais, 38% das amostras ultrapassam os níveis de CBT e 35% de CCS considerando os limites previstos para julho de 2014 para as regiões Centro-oeste, Sudeste e Sul. No Laboratório de Qualidade do leite, na Embrapa Gado de Leite (Juiz de Fora/MG), 95% da matéria-prima analisada estava fora dos níveis de CBT de 100.000 UFC/mL e 45% acima dos níveis de CCS de 400.000 céls./mL, em 2011.

– Papel da indústria junto à instrução normativa

As coletas de amostras de leite e o encaminhamento para realização de análises laboratoriais são de responsabilidade do estabelecimento que receber o leite dos produtores. As análises devem ser realizadas com frequência mínima de uma análise mensal, com média geométrica sobre o período de 3 meses. O leite do produtor cujas análises revelarem resultados fora do padrão deve ser, obrigatoriamente, submetido a nova coleta para análises em até 30 (trinta) dias. Nesse caso, o produtor deve ser comunicado da anormalidade para que adote as ações corretivas necessárias para o atendimento aos padrões de qualidade do leite. É de responsabilidade da indústria, também, cadastrar seus fornecedores junto ao Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA) e atualizá-lo sempre que necessário, e o transporte do leite da propriedade ao estabelecimento processador do leite.

Muitas indústrias estão empenhadas em exigir leite de qualidade pagando melhor os produtores que se empenham em produzir um leite diferenciado e bonificando os mesmos pelo produto produzido com qualidade. Outras indústrias, infelizmente, compram todo tipo de leite. Alguns laboratórios da RBQL relatam que as amostras melhor avaliadas são as provenientes de indústrias que remuneram pela qualidade, e/ou que tem trabalho de extensão e programa de qualidade.

Leite com elevada CCS pode alterar, por exemplo, a estabilidade térmica do leite em pó e reduzir a vida de prateleira do produto. E no caso do UHT, o uso de leite com elevada CCS contribui para a redução do tempo para início do problema conhecido como gelatinização do leite, causado pela ação de proteases e lipases. A CBT elevada é indesejável pois coloca em risco a saúde do consumidor devido à maior probabilidade de veiculação de doenças, e para a indústria, devido a problemas do leite, além de características sensoriais indesejáveis. Por isso, para a indústria, receber um leite de qualidade é um grande beneficio visando maior rendimento industrial, tempo de prateleira dos produtos e confiabilidade do consumidor.

– Benefícios da IN 62 para o produtor

O produtor tem um ganho direto na produção de leite com qualidade que é a bonificação. Vários laticínios pagam valor diferenciado pelo leite de produtores que se empenham em produzir com qualidade. Quem está dentro dos padrões estabelecidos na Instrução Normativa 62 já está ganhando. Além disso, é possível conseguir maior valor agregado e ter maior poder de negociação quando se vende um produto de qualidade. Mesmo sem a presença da bonificação o produtor deve querer buscar a qualidade e entender que ela é um passo sem volta e só traz benefícios para ele. A busca pela qualidade está relacionada com vacas sadias, sem mastite, com consequente aumento no volume do leite total produzido, redução de gastos com medicamentos e descarte com animais. Estudos mostram que rebanhos com CCS de tanque de 500.000 céls./mL apresentam perda de produção de leite de 6%, devido a mastite subclínica. Quando esse valor alcança 1.000.000 céls./mL a perda pode chegar a 18%. Por tudo isso, vale a pena os investimentos pelos produtores em produzir leite com qualidade.

Longo ainda é o caminho a percorrer para alcançar a produção de leite com qualidade no Brasil, mas a instituição das IN 51 e 62 foram pontos determinantes para iniciar a caminhada. O envolvimento de todos os elos da cadeia produtora de leite – ordenhador, produtor, laticínio, governo, consumidor final – é fundamental para chegar ao fim da estrada.

Bibliografia:

– IV Congresso Brasileiro de Qualidade do Leite. Remuneração como Incentivo à Qualidade do Leite. Florianopólis/SC. Setembro, 2010.

– BRASIL, Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento. Instrução Normativa nº 62 de 29 de dezembro de 2011.

– Langoni, H. Qualidade do leite: utopia sem um programa sério de monitoramento da ocorrência de mastite bovina. Pesq. Vet. Bras. 33(5):620-626, maio 2013

– Coleção SENAR, 2012. Produção de leite conforme Instrução Normativa nº 62. 44pags.

– Marque, V.; Salgado, L. M. Instrução Normativa 62: o que você está fazendo para 2016? Artigo Técnico – Rehagro, 31/12/2012

– Mundo do leite. IN62: Chegaremos lá? Fev-Mar/2013, pags. 20 a 23

– Mundo do leite. Cada um no seu pedaço, cuidando do todo. Dez/2013-Jan/2014, pags. 18 e 19

 

– Balde Branco. IN 62 e os novos padrões a partir de julho. Março/2014, pags. 26 a 30

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